Aqueles que conhecem um pouco da USP sabem que a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) é, por excelência, a grande casa do movimento estudantil. Seu espaço abriga assembleias, atos, manifestações e reuniões de grupos que frequentemente se definem como revolucionários.
Na última semana, um desses grupos, a Frente Palestina da USP, chamou a atenção ao construir um muro em frente às rampas de acesso às salas e espalhar cartazes e bandeiras palestinas em alguns pontos da faculdade. Tratava-se da divulgação da “Semana do Apartheid Israelense”, um evento internacional que, este ano, esteve presente também em nossa Universidade. De segunda à sexta, a programação contou com palestras, conversas, exibições de filmes e até uma cervejada que trouxeram à tona a questão palestina para dentro do espaço acadêmico.
Participei como ouvinte de duas atividades da Semana: a mesa de abertura, na segunda-feira, em um anfiteatro lotado, e a mesa sobre o a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções à Israel (BDS), na quinta-feira, em uma sala de aula da faculdade de Ciências Sociais, com um público de, aproximadamente, 30 pessoas. Bastou assistir às duas mesas para perceber que o evento transitou entre duas maneiras absolutamente distintas de se apresentar e pensar o conflito envolvendo israelenses e palestinos.
Na segunda-feira, embasadas pela perspectiva histórica, todas as falas, ainda que diferentes no que diz respeito às convicções políticas, foram capazes de colocar na mesa a complexidade da conjuntura e, principalmente, de dialogar entre si, favorecendo o debate e a ampliação do conhecimento sobre o assunto.
A atividade de quinta-feira, porém, foi marcada por visões simplistas e maniqueístas sobre o tema, com apresentações rasas e apelativas que buscaram demonizar o Estado de Israel desde sua criação, valendo-se de generalizações e acusações agressivas pouco fundamentadas. Construiu-se um discurso de ódio por meio da exposição de uma história única que tinha como objetivo declarado angariar novos militantes para combater Israel através do boicote econômico, cultural e acadêmico. Nesse sentido, as palestrantes recorreram a leituras extremamente simplistas, comumente verificadas não apenas no discurso de movimentos sociais de esquerda, mas também no das organizações sionistas de direita, apesar de opostas em seus conteúdos. Dentre os diversos fatores que compõem essa abordagem está a essencialização dos povos israelenses e palestinos, o não reconhecimento dos direitos do outro e a impossibilidade de diálogo.
Nesse tipo de discurso está embutida a tentativa de elevação de uma determinada narrativa ao patamar de verdade absoluta, seguida da deslegitimação de todas as outras. Tal visão excludente contribui para a criação de um ambiente hostil e pouco aberto a questionamentos e reflexões, em direção contrária ao que se espera de um evento realizado em ambiente acadêmico. Enclausurados em suas próprias convicções, esses pequenos grupos tornam-se quase insignificantes do ponto de vista prático, uma vez que seu discurso ecoa de maneira positiva e mobilizadora apenas dentro de seus círculos, não atingindo o outro e mantendo estática a situação que dizem tentar mudar.
Movimentos de solidariedade aos povos envolvidos nos conflito deveriam buscar aprofundar as discussões propostas por meio do entendimento das múltiplas narrativas propagadas por eles. O debate, essencial para chegarmos a uma solução justa, se mostra cada vez mais urgente e não pode ser calado, mas precisa ser feito com toda a seriedade e profundidade que palestinos e israelenses merecem.
Brilhante texto, Gabriel….
PArece meio vazio essas palestras, a razão é porque essa gente não está nem um pouco preocupada com os palestinos e sim atacar Israel e os judeus, fazendo algazarra, atacando pedra, montando um muro de papelão no campus. É tão evidente que esse evento não tem nada de humanista e sim atacar um grupo prospero que se deu bem no capitalismo(coisa que essa gente hipocrita condena ) numa região cercada de barbarie.
Cadê a semana do apartheid sirio que vitimizou já 80 mil pessoas? Cade a semana do apartheid iraniano que persegue bahais, estudandes e enforca gays em guindastes? Cadê a semana do apartheid turco que ocupa a ilha de Chipre e deixa os curdos em situação de extrema probreza?
Boa Grabriel, parabéns pelo registro preciso.
Gabriel,
fico pensando qual foi a sua intenção em escrever esse texto. Porque, acho que vc sabe, todo texto é também uma intenção.
Pergunto, porque vi que você destinou 4 linhas em elogios e o resto do seu relato foi só aspectos negativos dessa mesa de 5a feira – uma das tantas mesas que ocorreram na semana.
Vamos fazer melhor da próxima vez?
beijos,
Bianca
Talvez o texto apresentou mais aspectos negativos pois o evento apresentou mais motivos para crítica do que para elogios. E me parece que foi o caso mesmo.
Beijos para você também Bianca.
Mauricio
Ótimo texto. Parabéns. É preciso que haja um evento na USP que discuta a questão israelo-palestina em toda sua complexidade, em seus aspectos históricos, sociais, culturais, filosóficos, religiosos etc, com debatedores equilibrados, que em seu conjunto mostrem as várias perspectivas que há sobre o tema. Ao que parece, foi um evento de uma ideologia única, em que o diálogo não aconteceu.
Parabens Gabriel.
Estive a pouco tempo com autoridades palestinas em Ramalah e infelizmente eles repetem o mesmo tom de discurso desse encontro realizado na Usp, ” valendo-se de generalizações e acusações agressivas pouco fundamentadas ” e ” Construindo-se um discurso de ódio por meio da exposição de uma história única que tinha como objetivo declarado angariar novos militantes para combater Israel através do boicote econômico, cultural e acadêmico ” como você disse em seu texto.
Infelizmente os desconhecedores dos detalhes do conflito ( incluo a grande massa da população brasleira ) deixam-se levar e influenciar por esse sentimento de ódio dos organizadores do evento na USP.
Bom texto.
É fato que precisamos de debate e diálogo. Porém, para que isso aconteça, é premissa termos educação (no sentido de informação e conhecimento) para debater e disposição para dialogar.
Infelizmente, enquanto Hamas e o governo israelense não apresentam nenhuma disposição ao debate, o ambiente acadêmico atual da FFLCH não demonstra ser propício à troca de idéias genuína e frutífera. Acho até, sinceramente, que falta também o conhecimento das complexas realidades social, política, econômica e “espiritual” (não religiosa, mas sim o sentimento popular, o que se vê nos olhos das pessoas) de Israel, Gaza, Cisjordânia… Falta um longo caminho para que algo de produtivo surja da FFLCH atualmente.
Conheço pois formei em RI na USP e passei muitos (e bons) semestres na FFLCH.
Os “debates” promovidos lá não são plurais, não promovem aprofundamento teórico nem disseminam conhecimento. Ao contrário, reforçam idéias e preconceitos já estabelecidos e alimentam esse clima que em nada colabora para o entendimento do outro.
É MUITO importante dizer que, da mesma forma que há boas exceções na USP (e na FFLCH), dentro da comunidade judaica os “debates” ocorrem, em geral, da mesma forma, ainda que espelhados: reforço de preconceitos, superficialidade e auto-vitimização.
Um passo é aumentar o conhecimento. O outro é criar empatia e vontade sincera de dialogar e ouvir aquelas verdades que nos machucam no começo, mas nos tornam pessoas melhores (e debatedores mais preparados) no longo prazo.
Oi Gabriel,
Participei da semana na segunda e na terca. Nao fui na quinta e nao sabia que foi assim, uma pena. Nos dias que eu participei, eu gostei e ate me surpreendi pela maneira que o assunto foi abordado. Achei ate que esta dando pra perceber mudancas na frente palestina ao longo dos anos.
Sobre a mesa de segunda, por exemplo, me chamou a atencao que dois dos tres palestrantes foram israelenses. Isso por si so mostra, ao contrario do que colegas aqui comentaram, que a organizacao da semana nao tinha por objetivo unicamente incitar o odio contra Israel e apresentar uma visao unica. Alem disso, eu achei um debate rico justamente por ser plural, em que diferentes visoes foram apresentadas. Me chamou muito a atencao que o professor Peter Demant tenha iniciado sua fala dizendo que tinha ficado duvida se aceitava o convite de falar la pois ele proprio se considera em parte sionista. Sionista que, muitas vezes, é um palavrao, uma palavra feia nesses meios.
Achei bastante rico o segundo dia tambem, em que o pessoal que participou dos estagios da FFIPP contou sobre a experiencia deles. Por ser uma experiencia extremamente rica, eles ja trazem uma visao mais complexa sobre o assunto, bem diferente de uma visao de historia unica que busca unicamente demonizar um dos lados. Alguns dos alunos que participaram do estagio da FFIPP estao atualmente na frente palestina. A meu ver isso é algo que é bastante rico e pode melhorar a atuacao da frente palestina, no sentido de abordar o tema de forma mais complexa.
Como eu nao fui na quinta, nao posso opinar sobre o assunto. Mas é comum em qualquer evento de militancia, seja de direita seja de esquerda, visoes simplistas sobre o assunto.
Por fim, eu compartilhei da preocupacao da Bianca, no comentario dela. Voce dedicou apenas quatro linhas pra falar de uma mesa muito interessante, que contou com um auditorio lotado, enquanto voce gastou o resto do texto pra criticar a semana a partir da sua visao do que aconteceu na quinta.
Nao sei se essa foi sua intencao deliberada. Mas como é possivel ver nos comentarios acima, muitas pessoas concluiram que a semana serviu apenas para incitar o odio contra Israel e apresentar uma visao unica sobre o que acontece la.
abraco!
Alan
Olá Bianca e Alan!
Escrever foi a maneira que encontrei para aliviar o incômodo e a frustração que tomaram conta de mim após participar da atividade de quinta feira.
Talvez o título do texto não tenha sido bem escolhido, mas procurei não fazer julgamentos sobre a Semana como um todo, nem comentar sobre mesas que não assisti. O intuito não era elogiar ou criticar o evento, mas, considerando que ele me provocou diversas reflexões sobre as maneiras de abordar o conflito, utilizá-lo como pretexto para compartilhá-las. Se voltarem ao texto com atenção, poderão perceber que dedico apenas 6 linhas para falar sobre a atividade de quinta, afim de dar um panorama de como foram as duas mesas, explicitando suas diferenças. O resto consiste em uma crítica às abordagens simplistas e essencializadoras em geral, por acreditar que é urgente que seja construída uma alternativa a esse tipo de visão. Como sabem, a criação de algo novo só é possível através da reflexão e do olhar crítico.
Se alguns de nossos colegas leram o documento e tiraram conclusões sobre toda a Semana, o fizeram a partir de seus próprios preconceitos. Portanto, faço um convite para que vocês escrevam e compartilhem conosco textos sobre as atividades que participaram, ajudando a compor um panorama mais rico do evento.
OBS: Estou alterando o título para “Reflexões a partir da Semana do Apartheid Israelense na USP”, tornando-o assim, mais coerente com o que o artigo propõe.
Abraços!
Gabriel, muito interessante e bem escrito o seu texto.
Fico aqui pensando como deve ser difícil discutir este tema a uma distância de milhares de quilómetros. se os próprio Palestinos estão divididos entre si a poucos quilómetros de distância…
Cisjordânia e Faixa de Gaza,estão separados não somente sobre o ponto de vista geográfico, mas principalmente ideológico, e pior, de forma radical!
Não é apartheid os Palestinos não reconhecerem a simples existência do Estado de Israel e fomentarem o ódio?
Um forte e fraterno abraço a todos os povos!!!
Clemente.
Oi Gabriel,
Fiquei curioso – o que vc chama de:
“visões simplistas e maniqueístas sobre o tema, com apresentações rasas e apelativas que buscaram demonizar o Estado de Israel desde sua criação, valendo-se de generalizações e acusações agressivas pouco fundamentadas. Construiu-se um discurso de ódio por meio da exposição de uma história única que tinha como objetivo declarado angariar novos militantes para combater Israel através do boicote econômico, cultural e acadêmico.”
Se puder dar exemplos, vai me ajudar a entender do que esta falando, ja que eu não pude ir nesse dia.
Abs,
Yuri
parabéns pelo texto!
Alan e Gabriel,
Caso tenham feito referência a mim, por tirar conclusões precipitadas sobre a semana ou carregar preconceitos para minha resposta, deixo claro que:
– A conclusão sobre o tom dos debates, dessa semana específica, veio muito do relato do Gabriel e pouco das minhas próprias experiências na FFLCH; e
– Preconceitos existem, mas no caso da FFLCH, são mais conceitos mesmo. Foram 5 anos lá, com alunos, professores, entre 2003 e 2007. Desde então, não posso afirmar que a hostilidade contra Israel aumentou, mas muito provavelmente não diminuiu.
Não quero desqualificar a FFLCH. Só disse que, na minha visão, não é um ambiente apropriado para, por exemplo, um sionista radical religioso tacanho se manifestar. No entanto, um militante de esquerda, antissionista, anti-imperialista e tão limitado quanto, se sentiria bastante confortável pra expor suas idéias. Maior diversidade seria muito importante.
O bom é que, aqui, a conversa flui muito bem!
Abs,
Marcel