O Seminário Narrativas foi, na sua quinta edição, novamente um sucesso. Bem organizado, bem representado, bem e complexamente aprofundado, e razoavelmente bem assistido. Mas a sensação que ficou para mim no voo de volta foi a de que está na hora dele ser novamente discutido. É o momento de nos perguntarmos, afinal, por que e, consequentemente, para quem servem estes encontros.
Duas participações, algumas trocas de ideias, e a mera observação mostram que o seminário conversa unicamente com uma das parcelas de interessados no conflito israelo-palestino no Brasil. Falar apenas com um lado de um conflito, entre vários lados que existem, resulta no que está acontecendo (e não que isto seja ruim ou pouco): mais dúvidas, mais conhecimento, mais produção, mais integração – mas não resulta em avanços na resolução do conflito (ambicioso? Me pareceu esta a ideia mais aplaudida da iniciativa – e a noção de que devemos aqui no Brasil reproduzir o processo longo e doloroso do lado de lá do planeta, a menos popular). Seja na sua configuração prática do Oriente-Médio, seja em suas consequências no Brasil, o conflito se materializa nas universidades brasileiras, em outros espaços públicos, no imaginário popular. É importante sabermos que o conflito Israel-Palestina também pertence a todos os cidadãos do mundo. Levar o Seminário Narrativas para este novo nível significa movimentar-se para que pequenas atitudes ao nosso alcance possam ser pensadas, ou que pequenas iniciativas que já acontecem sejam conhecidas, ou que pequenos encontros que não acontecem passem a acontecer – e isto é transformar nossa realidade em busca de coexistência.
O conteúdo – narrativas – é mobilizador: ouvir os diversos discursos de um mesmo fato. A forma do seminário poderia estabelecer um compromisso maior com esta variedade de narrativas. A construção da iniciativa, os palestrantes e o público poderiam ser, também, vindouros de lugares diferentes. E isso implica nos perguntarmos, agora, para quem poderia servir esta iniciativa.
O pesquisador americano Michael Apple nos ensina a metodologia de análise relacional para entendermos e às vezes explicarmos a sociedade (1979). Entender quem se beneficia, que vozes são ouvidas e silenciadas, por que e como ocorrem os fatos sociais e estabelecer relações entre estas respostas pode nos mostrar novos caminhos para solucionar velhas questões. O conflito israelo-palestino, no Brasil também, é relacional, por isso, precisamos conversar sobre ele de forma relacional: onde se encontrar, com quem se encontrar, quem vai organizar o encontro e por que organizar são questões que tem de ser novamente (e constantemente) feitas e cujas respostas devem ser discutidas em conjunto.
Pensar relacionalmente também nos ajuda a estudar a questão da educação judaica, abordada na fala de Michel Gherman. O sionismo, a identidade judaica, judaísmo e política, judaísmo e sociedade, o conflito, são temáticas importante na escola e na educação formal judaica brasileira. Mas é importante lembrar que a crença de que a educação vai resolver todos os nossos problemas (e vale lembrar a mobilização nacional em torno do uso do dinheiro do pré-sal em educação), armadilha atraente, se mostrou uma proposta precipitada e insuficiente. Historicamente, o que se pode observar é que a educação (que é parte da sociedade) sempre respondeu ao que a sociedade em que está inserida demandou (Apple, 2013). Isto não significa que dinheiro em educação não é bem-vindo ou que os professores não tem de, em seus espaços, por menor que seja a sua autonomia, fazer esforços contra-hegemônicos por uma educação de mais qualidade (não qualidade no seu sentido mercadológico de ‘qualidade-total’, como se a posse de alguns significasse a não-posse de outros, mas no seu sentido sociológico de emancipação). Significa, de fato, e especificamente no caso das escolas judaicas, que a escola, como parte de uma comunidade, precisa mudar para que a comunidade mude. Porém, a transformação comunitária será resultado de um esforço no contexto comunitário amplo, ou corremos o risco de que os investimentos em educação sejam parcialmente ou totalmente incompreendidos. As questões de currículo, eficiência de gestão, qualidade do professor, são centrais – mas uma educação judaica crítica, alicerçada em justiça social, será realidade quando estes princípios forem o que realmente fizer sentido para a comunidade – e Gherman nos mostrou domingo que, salvas exceções cariocas, não é. A transformação na educação passa por uma transformação na forma como a comunidade judaica se relaciona com a sociedade civil e especificamente com a comunidade palestina, na forma como se envolve com movimentos sociais, outras minorias, na forma como operam suas sinagogas (e aqui vale lembrar do seu sentido etimológico do hebraico de casa de discussão), enfim, passa por uma transformação que acontece em larga escala, e que tem que ser desejada, teorizada e compreendida, e simultaneamente colocada em prática. Uma transformação que pode continuar com o VI Seminário Narrativas em Porto Alegre, em 2014.
Referências:
Apple, Michael (1979) Ideology and Curriculum. New York: Routledge & Kegan Paul.
Apple, Michael (2013) Can Educarion Change Society? New York: Routledge
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