Elena Judensnaider

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Elena Judensnaider Knijnik, 22, é socióloga e co-autora do livro "20 centavos" (ed. Veneta, 2014).

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Sou judia e Israel não me representa

Hoje, dia 6 de agosto, um pequeno grupo de judeus foi em frente ao consulado israelense em São Paulo e manifestou seu desgosto com relação às políticas israelenses por meio de cartazes e palavras de ordem.

Àquelas pessoas que pensavam não existirem judeus brasileiros contrários às ações etnocráticas e opressoras perpetradas pelo estado de Israel, este grupo respondeu com firmeza: existimos.

Gritamos em alto e bom som que não aceitamos que Israel promova segregação e massacre, muito menos em nosso nome – não só o massacre das últimas semanas, que a comunidade internacional acompanhou com mais atenção, mas o massacre diário sofrido pela sociedade palestina.

Quando o primeiro judeu veio discutir com o grupo (“Vocês não têm vergonha?”), nos lembramos da responsabilidade que temos em lembrar ao mundo de que a vergonha deve vir de quem legitima a opressão. Soubemos que estávamos no caminho certo.

O ato de hoje foi pontual mas, ainda que não represente um grupo grande, homogêneo e consolidado, indica algo muito significativo: vozes de judeus que publicamente criticam Israel.

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Somos judeus que nunca encontraram o espaço ideal para nos manifestar dentro ou fora da comunidade judaica: dentro, mesmo os mais progressistas resistem em admitir a responsabilidade de Israel no massacre em curso; fora, os discursos não raro desembocam em antissemitismo.

Foi necessário que cada um de nós passasse por processos similares de amadurecimento político e pessoal para que nos sentíssemos compelidos a enfrentar os riscos de sermos vistos como “traidores”, “self-hating jews” ou “apoiadores de terroristas” para expressar nossa indignação.

DESCONSTRUÇÃO

Há mais judeus que questionam as ações israelenses. Muitos deles, contudo, temem a represália que sofreriam pela comunidade judaica caso se posicionassem. Mesmo as pessoas judias mais distantes da comunidade já se depararam com o esforço das lideranças judaicas em reproduzir o sionismo seja nas escolas, nos movimentos juvenis, nos clubes, nas sinagogas ou em outros ambientes de socialização, procurando silenciar as vozes que se contrapõem ao discurso sionista.

Chega uma hora em que, sem grande esforço, as coisas deixam de se encaixar tão perfeitamente.

As fotografias de infância de muitos de nós têm no fundo uma bandeira de Israel – às vezes ao lado de uma bandeira brasileira, mas nem sempre. Aprendemos a brincar de soldados de uma forma menos ingênua do que institucionalizada.

Aprendemos que a trágica história de perseguição contada pelos nossos avós não é um relato só do passado mas também um alerta.

Aprendemos nas aulas de história judaica que o nosso povo não tinha para onde ir e, ao encontrar uma terra deserta e desenvolver tecnologia para trabalhá-la, atraiu a inveja dos vizinhos árabes. Aprendemos que o judaísmo – ou seria o sionismo? – é parte integral da nossa identidade.

Aprendemos a ter medo. A nos orgulhar das conquistas israelenses como se fossem nossas.

Aprendemos que o único lugar seguro no mundo para nós, judeus potencialmente alvos de perseguição, é Israel (ainda que lá seja provavelmente um dos lugares mais perigosos para se estar).

Aprendemos que usufruir daquela terra é direito divino nosso e a considerar os palestinos como inferiores, terroristas e, no limite, selvagens.

Mas…

A situação dos refugiados não bate com o mito sionista da “terra sem povo para povo sem terra”. Os documentos israelenses abertos a público na década de 1980 contam uma história diferente.

A concessão de cidadania israelense a quem nunca esteve lá chama atenção se comparada ao status de refugiado de quem sempre esteve.

A população pobre, desamparada e cercada nos territórios palestinos não parece representar um agente ativo tão significativo nessa dita guerra.

As viagens patrocinadas pela comunidade à Israel não mostram o que há do outro lado do muro. A propaganda sionista (“hasbará”) é claramente excessiva.

Por fim, questionamos: a quem interessa manter um grupo de pessoas com medo? A quem interessa a desumanização dos palestinos?
Claro que não é fácil desconstruir algo que diz respeito a quem você é, principalmente quando há tanta pressão para que você continue se identificando com uma relação que, por mais afetiva que pareça, é política: a relação dos judeus do mundo com Israel.

Muitos de nós tiveram problemas familiares sérios a partir da menor demonstração de desalinhamento com as verdades professadas.

Amigos de muitos anos se ofenderam e interromperam a amizade. Algumas relações profissionais foram seriamente abaladas.

Sem falar nas ameaças – das mais sutis às mais diretas. As pessoas que, por entenderem o judaísmo como equivalente ao sionismo e este como equivalente ao apoio incondicional às políticas israelenses se sentem pessoalmente atacadas com críticas políticas.

É preciso ser ao mesmo tempo compreensivo e intolerante com o que elas pensam e ajudar no processo de questionamento por que passam. Não podemos esquecer, entretanto, que todos os dias direitos humanos são violados na Palestina.

Que há militares israelenses invadindo casas palestinas durante a madrugada. Que há refugiados pelo mundo ansiando pelo seu retorno. Que há palestinos sem acesso a água, energia, comida, hospitais ou escolas.

Que há vozes dissonantes que fogem a qualquer maniqueísmo que pressuponha a existência de dois lados nessa história toda. São muitos os lados: um deles é representado pela nossa voz, que diz: não à opressão israelense.

 

Texto publicado originalmente no site Brasil Post.

Uma terra sem gente?

O designer gráfico e artista português Nuno Coelho esteve no Brasil para falar sobre a exposição de sua coautoria “Uma terra sem gente para uma gente sem terra” (ou “Uma terra sem povo para um povo sem terra”, na adaptação para o português brasileiro). A exposição e as palestras aconteceram na BibliASPA, centro de pesquisa localizado em Higienópolis que tem como objetivo promover a discussão entre povos árabes, sul-americanos e africanos.

A idéia da exposição, segundo Nuno Coelho, surgiu após (e não durante) sua viagem como voluntário para uma escola em um campo de refugiados não reconhecido pela UNRWA nos territórios palestinos. Ao regressar a Portugal, se deparou com a dificuldade de discutir a experiência que havia tido: no geral, o pouco conhecimento que se tinha sobre o conflito impossibilitava qualquer conversa mais aprofundada sobre sua vivência na Palestina. Decidiu, então, usar a arte e a interação como meios para promover questionamentos e introduzir as pessoas à trajetória do conflito.

A partir disso, Nuno e Adam Kershaw criaram painéis interativos – nada tecnológico, mas sim grandes folhas penduradas ao longo da exposição – que fossem ao mesmo tempo humorados, divertidos e didáticos. Em tais painéis se encontram instruções para ligar os pontos, colorir, desenhar, contar ou responder a perguntas, e a cada atividade resolvida há a seu lado as explicações do mapa ou imagem que surgiu.

Livro catálogo da exposição

Em um painel, por exemplo, há um mapa com diversos pontinhos, brancos e pretos. Ligando os pontos brancos, se tem a Linha Verde, representante da divisão internacionalmente reconhecida como limítrofe entre Israel e territórios palestinos. Ao se ligar os pontos pretos, entretanto, encontramos a linha onde está sendo construída a Barreira de Separação. Fica evidente a divergência entre as duas linhas. Ao final de um pequeno texto explicativo sobre os dois traçados, a conclusão: “Quando terminares, repara: que há regiões que ficarão, ou estarão já, totalmente isoladas; que a Cisjordânia, para além de reduzida a 59% de sua área total, ficará dividida em duas”.

A exposição já é polêmica e provocativa desde seu título. Apropriando-se ironicamente do jargão utilizado pelo movimento sionista no início do projeto nacionalista, os artistas deixam em aberto o questionamento: havia de fato uma terra abandonada na Palestina?

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