Em Hebron (cidade no sul da Cisjordânia), fizemos um tour pela rua paralela à rua principal, a Al-Shuhada Street, na região do que costumava ser o maior Suq (feira) da Cisjordânia, Palestina, aqui algumas lojas ainda estavam abertas, mas tudo bem vazio. Um frio do cão e chuva gelada acompanharam o grupo neste dia. O guia, natural de Hebron, nos contava como foram chegando os colonos e expulsando os moradores de suas casas e impossibilitando que circulassem por partes da cidade, o que fizera com que varias famílias tivessem que abrir passagem pelo teto de suas casas para poder sair. Mostrou alguns dos pontos onde a casa de baixo é de uma família palestina e o andar de cima virou um assentamento ilegal ocupado por judeus israelenses. Na rua, o que separa as duas é uma tela colocada por alguma das equipes de ajuda humanitária (ajuda?? humanitária???) para proteger os moradores da cidade das pedras e de outros objetos atirados pelos colonos. No trecho onde paramos para ouvir essa explicação, tinham atirado um bloco de concreto quase do meu tamanho, o bloco chegou a rasgar a tela de proteção, mas não caiu no solo. Ficou ali entalado! Um símbolo que gritava: não ache que é tranquilo circular por aqui, vá embora! Mas até aí, o bloco é quase uma cócega perto da quantidade de símbolos, placas, leis e etc. que dizem isso a população local, não só em Hebron… Em todo território da Autoridade Palestina e dentro de Israel.
Chegamos a entrada da Shuhada Street, duas componentes do grupo não puderam entrar, pois estavam sem seus passaportes e o nosso guia se despediu de nós, pois a ele é proibido entrar ali por ser palestino. Nós como um grupo de internacionais, como são conhecidos por aqui os estrangeiros, temos a chance de circular dentro desta área da cidade. Hebron esta dividida em dois, entre H1 e H2 conforme aparece no mapa abaixo.
Toda a área de H2 tem acesso restringido por checkpoints que controlam a entrada e saída. Para entrar em H2 passamos por um checkpoint, fiquei por última na fila para assegurar que todo o grupo entrasse junto, pois mesmo antes de entrar já estava uma sensação tensa, vários pontos de observação de soldados do alto por todo o caminho que beirou a divisão de H1 e H2. Acho que foi o último momento deste tour que consegui me preocupar com ser coordenadora do grupo. Entramos em H2 do lado da Mesquita de Ibrahim, conhecida para os judeus como Mearat Hamachpela, lugar onde supostamente estão enterrados os patriarcas e as matriarcas. Decidimos entrar rapidamente na mesquita. Logo antes da entrada um dos coordenadores explica que os colonos tem uma entrada separada para eles e estão sempre acompanhados de soldados empunhando armas – assim que ele termina a frase vemos dois homens, facilmente reconhecíveis como judeus ortodoxos, por suas roupas, saindo da mesquita acompanhados por um soldado com a arma na mão. O coordenador segue explicando que para entrar na mesquita se pede que tirem os sapatos e que os colonos se negam a fazê-lo e por isso tiveram que arranjar tapetes que colocam quando os colonos vem visitar as tumbas. Tivemos que passar um controle de segurança, mais um checkpoint, para entrar na mesquita pela entrada dos muçulmanos controlado por soldados israelenses. A entrada dos colonos é livre.
Dentro da Mesquita o silencio me impactou, mas as tumbas em si só me deixaram frustrada. Se por um lado racional posso compreender que crenças e símbolos concretos são importantes para pessoas religiosas, por outro me dá muita raiva pensar que caixas de concreto servem de desculpa para atrocidades!
Um dos coordenadores nos mostrou as marcas das balas deixadas por Baruch Goldstein, um colono que abriu fogo dentro da mesquita em 1994, que feriu 100 e matou 29 pessoas.
Saímos da mesquita e o frio apertou. A rua vazia. Começamos a caminhar na direção da Shuhada Street,e algumas lojas abertas me chamaram a atenção. Explicam me que os donos das lojas não podem atravessar esta rua, tem um posto de soldados do outro lado da rua… não entendi. Nesta rua, palestinos andam de um lado, o lado sem calçada, sem acabamento e estreito, enquanto os judeus andam do outro. Meu corpo todo se enrijeceu, parecia que alguém tinha colocado um bloco de concreto no meu estômago! Duas meninas palestinas com suas mochilas vinham andando do seu lado da rua. Eu pensava em minha vó e em judeus andando no gueto.
Seguimos em frente e o bloco não me deixou. Parecia que eu inteira havia virado concreto, um mal estar que não tenho referência, não sei se alguma vez senti isso antes, eu me arrastava para seguir. Entramos na famosa Shuhada Street, uma das rua em que os palestinos são proibidos de circular – todas as lojas fechadas, nos apartamentos em cima das lojas, vazios também, alguns resquícios que uma resistência anterior deixou.
Do outro lado da rua, o maior cemitério da cidade por onde as famílias tem que dar a volta por fora de H2 para poderem visitar os seus mortos. No cemitério, vimos dois meninos que vinham nos acompanhando durante todo o tour tentando vender umas lembrancinhas, eu tinha percebido que tinham sumido, achei que haviam desistido… Não! eles não podiam passar com a gente pelo checkpoint, gritavam do cemitério:
Welcome to Ghost Town!
Nesse ponto eu já não conseguia ouvir mais nada, estava com dificuldade de respirar, parecia que o ar estava ralo.
Passamos em frente a uma série de painéis coloridos onde os colonos explicam por que eles acham que tem um direito histórico para fazer o que estão fazendo ali. Não consegui ler…
Ainda queriam mostrar as ruas em que só os palestinos podem andar e a escada que tiveram que construir para as crianças poderem chegar na escola, pois a rua principal é proibida para elas.
Eu queria sair dali! Gritar! Chorar!
Mas fui com o grupo me arrastando, subimos as escadas e finalmente os meninos que queriam nos vender coisas puderam se juntar ao grupo, nos mostraram a famosa pichação “Gas the Arabs” e demos a volta. Neste momento, mesmo se o grupo não tivesse se direcionando para sair de H2, eu teria saído sozinha…
Mais uma informação antes de passar por um checkpoint que tem uma placa proibindo judeus de passarem, não colonos, não israelenses, mas judeus! Nesta placa, mais uma evidencia de quão absurdo este sistema político é!
E pra completar: comentam que é por este checkpoint, o que estávamos prestes a cruzar para sair de H2, que as crianças entram para irem à escola e que há alguns anos conseguiram um acordo para que não revistassem suas mochilas. Ainda assim, este acordo não é respeitado e os soldados revistam até as mochilas das crianças de cinco anos.
Sobre Hebron:
Hebron foi dividida em H1 e H2 em 1997 – H1 está sob administração da autoridade Palestina e H2 sob controle militar israelense, sendo esta área habitada por 30.000 palestinos e aproximadamente 500 colonos israelenses. Em 1994, a rua principal do mercado, Al Shuhada Street, foi fechada por ordem militar israelense.