Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam show em Tel Aviv no dia 28 de julho, como parte da turnê internacional da dupla. O movimento BDS (Boicote, Desenvolvimento e Sanções contra Israel) se mobiliza em torno do pedido para que a dupla cancele a apresentação. Apesar das assessorias dos cantores garantirem que o show será mantido, a pressão pelo cancelamento continua, e a campanha recebe o apoio de personalidades como o ex-integrante do Pink Floyd, Roger Waters.
O BDS e o apartheid
O BDS importou o diagnóstico “apartheid” e a solução “boicote” da Africa do Sul. O cerne da questão e as discussões ficam em torno do diagnóstico – se Israel possui ou não um regime de apartheid – deixando de lado o debate sobre a solução – o boicote e os reais objetivos do movimento BDS. Concordo que é necessário dizer que o BDS erra no diagnóstico, pois Israel não possui um regime de apartheid e sua realidade é distinta da Africa do Sul do passado. Porém, o erro maior está na solução, que diferente do boicote a Africa do Sul – em que visava apenas a queda do regime do apartheid, sem colocar em risco a existência do país – o boicote proposto pelo BDS pode levar ao fim do Estado de Israel. Ou seja: a solução do BDS não objetiva apenas terminar com o suposto regime do apartheid, mas também a inexistência do Estado de Israel. Portanto, ainda que o BDS acertasse no diagnóstico, a solução proposta teria efeitos colaterais perversos ao Estado de Israel, seria extremamente danosa.
Afinal, qual o objetivo do BDS?
Nesse texto me atentarei em torno da solução “boicote” e não do diagnóstico “apartheid”. Digo isso, porque mesmo se o diagnóstico estivesse correto, isto é, houvesse apartheid em Israel, manteria as minhas críticas ao BDS. Por que? A resposta está na solução proposta – no objetivo do movimento BDS, no que dizem e no que se omitem. Pode ser lido abaixo, na íntegra, ou no vídeo do Norman Finkelstein.
O movimento BDS elenca 3 pontos para que o boicote cesse.
1. Acabar com a ocupação e colonização de todas as terras árabes ocupadas em junho de 1967 e desmantelar o Muro;
2. Reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos de Israel em plena igualdade;
3. Respeitar, proteger e promover os direitos dos refugiados palestinos a voltar para suas casas e propriedades, tal como estipulado na resolução 194 da ONU.
Somando os 3 pontos, chego a conclusão que o BDS não é um movimento “contra a ocupação israelense na Cisjordânia”, e sim “contra a existência do Estado de Israel.” Explico abaixo:
Os itens 1., 2. e 3. devem ser analisados juntos. O que se peticiona nesses itens é o direito de retorno dos refugiados palestinos, e que se conceda a eles direitos fundamentais. Logo, o Estado de Israel passaria a ter maioria árabe, permaneceria com o seu caráter democrático, porém o caráter judaico estaria em risco. Resultado: O Estado de Israel perderia sua identidade e deixaria de ser um Estado Judeu.
O objetivo do BDS se torna mais claro se a leitura dos 3 pontos é feita de forma contrária. Primeiro – a volta dos refugiados palestinos; segundo – conceder direito fundamentais aos árabes-israelenses; a soma dos dois primeiros pontos, resulta no terceiro – acabar com a ocupação e colonização de todas as terras árabes.
Agrava-se a isso, o fato do BDS se utilizar do Direito Internacional para endossar sua crítica a ocupação militar israelense na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, ao mesmo tempo em que se omite a aceitar o Estado de Israel, legitimado pelo mesmo Direito Internacional, nas fronteiras de antes de junho de 1967. Ou seja: para o BDS, o Direito Internacional se mostra válido para definir a ocupação militar israelense, mas não para definir as fronteiras legais do Estado de Israel.
Colocado os 3 pontos junto a omissão ao reconhecimento do Estado de Israel nas fronteiras pré-1967, não me resta dúvidas que os objetivos do BDS levariam ao fim do Estado de Israel, aqui cabe a principal crítica. E digo mais, mesmo se houvesse apartheid, o que o BDS propõe como solução não é aceitável. Pois, não se propõe que o suposto regime de apartheid cesse por meio de uma reformulação de sua política perante aos seus cidadãos. O que se propõe é a extinção do país, o desaparecimento de sua identidade e existência.
BDS antissemita ou antissionista?
Muitos se referem ao BDS como um movimento antissemita, o que provoca um debate, será que o BDS é antissemita, ou será que é antissionista? A questão da termologia sempre incomoda a muitos, acredito que o debate esteja no entendimento e significado do que é antissemitismo. Porém não entrarei nesse debate, optarei por expor apenas o quão repugnante é ser antissionista.
Hoje vemos o cuidado que muitos possuem para distinguir o antissionismo do antissemitismo. Mas há outra distinção, na minha percepção, menos abordada, entre o antijudaísmo e o antissemitismo. A distinção se dá no entendimento do judeu como “religião” ou “raça”. Enquanto no antijudaísmo se persegue o indivíduo pela prática religiosa do judaísmo ou por pertencer a religião judaica, no antissemitismo se persegue o indivíduo por ele pertencer a “raça” judaica.
Seguindo essa linha de racíocinio, o antissionismo atual me parece próximo com o antijudaísmo do passado. Pois o antissionismo não persegue todos os judeus. Tal como o antijudaísmo que “concedia a oportunidade” do judeu se converter ao catolicismo para que assim deixasse de ser perseguido; de forma similar, os antissionistas não perseguem aqueles que se converterem a sua ideologia: ao antissionismo. Pois, tanto o antijudaísmo quanto o antissionismo perseguem crenças e ideologias, onde há a possibilidade de escolha em pertencer ou não; ao passo que o antissemitismo persegue uma “raça”, onde não há a possibilidade de escolha em pertencer ou não.
Na minha percepção, o antissemitismo e o antijudaísmo se tratam da mesma perseguição e ódio em tempos e cenários diferentes. Enquanto a Europa tinha grande influência católica, era fácil justificar e alimentar o ódio aos judeus, pois pertenciam a outra religião. Porém, quando a Europa deixa de ter influência religiosa, o antijudaísmo precisa ser reinventado, surge a teoria das raças, e a perseguição aos judeus é justificada e alimentada por ser da raça judaica. Sai de cena o antijudaísmo para dar espaço ao antissemitismo.
Porém, assim como as justificativas religiosas, a teoria das raças, com o passar do tempo, perde sua força e influência, e o antissemitsimo precisa, novamente, ser reinventado. Agora não os perseguem por pertencerem a religião judaica ou a raça judaica; os perseguem por pertencerem a nacionalidade judaica, por serem sionistas.
Seja o BDS antissemita ou antissionista, condeno igualmente. Antissionismo é tão repugnante quanto o antissemitismo e o antijudaísmo.
Sobre o título
Por fim, explico o trocadilho forçado e sem graça que é o título desse texto. Em hebraico a palavra Bo (בוא) é utilizada para chamar alguém, traduzindo ao português: venha. Enquanto o BDS clama: Boicote! Caetano e Gil. Digo: Bo, Caetano. Bo, Gil. Venha, Caetano. Venha, Gil.