Imagine que você ama alguém. Qualquer alguém. Um homem, uma mulher, seu filho, seus pais… Agora pense em uma situação na qual essa pessoa tenha errado. Ou que ela esteja tendo uma conduta que não seja produtiva para si própria e para o mundo. Ou, ainda, que ela esteja agindo de uma forma prejudicial: matando aulas, faltando ao trabalho, sendo hostil, bebendo muito, etc. Você não falaria isso pra ela? Não chamaria sua atenção? Aconselharia ela a mudar de hábitos?
Pare e pense nesta hipótese. Se você a ama, sua resposta provavelmente foi sim. Se não é amor, pode ser que se deixe passar. Aquele amigo que na verdade é mais um colega de night ou aquela ficante mais ou menos que nunca vai virar namorada. Eles fazem o que querem com suas vidas, não nos importa tanto assim. As pessoas que nós amamos, chamamos a atenção, criticamos construtivamente e damos conselhos. Porque queremos que elas sejam felizes, produtivas, que tenham vida longa. Queremos ajuda-las.
Esse texto vai para alguns sionistas. Se vocês amam Israel, critiquem-no. Percam o medo de aceitar que o país não é perfeito, que comete erros, que pode mudar suas políticas. Deixem de achar que existe tal coisa como uma nação ideal com ações ideais. De buscar explicação para cada ato que parece inexplicável. De achar que a culpa é sempre do outro. Se você que está lendo está em algum lugar legal agora, em uma profissão almejada, em uma família feliz, em um grupo de amigos maneiro ou morando sozinho independentemente, você chegou aí porque seus pais ou alguém te ensinou que não se pode achar que a culpa é sempre do seu coleguinha, ou mesmo do mundo – inferno astral, né? Surpresa! Nós erramos. Eu, você… absolutamente cada um de nós. E é errando que se aprende e aprendendo nós mudamos aquilo que não está lá muito legal da nossa parte.
Esse texto super direto, metafórico mas não tanto, simples até demais, é em resposta a uma situação que era para ter sido linda e se tornou estúpida. Que nem briga de criança. Há uma semana e meia ocorreu a palestra de um Professor da Unicamp proveniente do Egito, Mohamed Habib, no Hillel Rio. Foi no dia 21 de Maio, sobre as perspectivas entre Israel e Palestina, e foi show.
Para começar, o Professor Mohamed é um fofo (aham, fofo). Super gentil, educado, paciente. Em segundo, ele tem experiência quando o assunto é o conflito Israel-Palestina. Em terceiro, se nada disso acima fosse verdade, ele falou bonito no dia.
Nascido e crescido no Egito, o Mohamed Habib é engenheiro agrônomo, com mestrado e doutorado. Atuando na UNICAMP desde a década de 1970, ele também foi Vice-Presidente do Instituto de Cultura Árabe.
A palestra do Habib deu o que falar. No dia mesmo tinha gente escrevendo que era um absurdo o Hillel realizar este tipo de evento. Dentre as retóricas sem fim e repetitivas – que para mim parecem senso de ameaça a uma opinião pessoal que se soprar, derruba – estava a Nakba. O assunto proibido dentre muitos judeus. Eu cresci em escola judaica, fiz parte ativa de movimento juvenil, ingressei na faculdade de História aos 18. Só descobri que a Nakba existia depois dos meus 20 anos. Que coisa. Agora eu paro e penso, como é que eu podia me atrever a falar, opinar, criticar sobre a história do Estado de Israel se eu sequer tinha o conhecimento da Nakba? Algo que faz parte, uma bela parte, dessa história?
O Professor Mohamed não falou nada sobre a Nakba. A palestra nem era sobre isso. Mas por que será que assusta tanto? Não diga que você quer a paz. Não diga que se “o outro” abaixar as armas, teremos paz. Não fale asneiras, porque é isso que você está dizendo se não se propõe a escutar a narrativa dele. Escutar como ele vê a história não desmente a forma como você vê a sua. Nem ameaça. A não ser que você não tenha lá muita certeza do que vê. Falar de Nakba, explica-la, entende-la é amar, e muito, Israel. Não falar dela, fingir que ela não existe (o que parece também coisa de criança – fingir que o coleguinha com o qual brigamos não existe), isso é muita falta de amor a uma instituição que se visa defender, que se procura dignificar. Porque aí, quando alguém vem perguntar a respeito e você fala “sobre isso nem me dou ao trabalho de comentar”, meu amigo… Tudo o que você fez foi acabar com a sua fala, com a sua legitimidade de discutir o assunto e ajudou a queimar a imagem daquilo que você estava tentando defender, já que é algo que não enxerga o outro lado, que não discute, que tem verdade pronta e inquestionável.
O mundo não pode ser inquestionável. E, pra sua surpresa (provavelmente), nem o sionismo é ou nunca foi. De Pinsker, passando por Herzl e Ahad Ha’Am chegando a Gordon e Borochov e, enfim dando espaço ao Rabino Kook (tendo omitido aí uma galera), muita água rolou nesse rio. Água que nunca desembocou no mesmo mar, se você quer saber. E o Estado está aí, da praticidade à politização, discussões sobre o ser judeu cultural, socialista e religioso, se formou um Estado. Porque você não quer discutir, criticar, ter opiniões adversas, se foi isso que os primeiros teóricos fizeram?
Mas enfim. Nem foi sobre a Nakba. Ele falou sobre paz. Sobre ser pacifista, a prática. A opção de vida, diria eu. Ele deu conselhos sobre como um peacebuilder deve agir, deve trabalhar na sua formação. Utilizou exemplos de como os governos (todos os governos) do Oriente Médio se aproveitam desse conflito, enquanto quem luta ele são exércitos e civis. Ele falou da vida que tinha no Egito, junto com judeus e cristãos e como faz o mesmo aqui até hoje. Mohamed Habib é muçulmano, esqueci de mencionar. Ele falou sobre como planta moloheia com seus vizinhos e disse que, na opinião dele, um acordo é inevitável. Que de repente nem ele e nem ainda nós vejamos isso acontecer, mas em breve vai acontecer.
Eu já ouvi bastante gente falar sobre o assunto. E muitas pessoas que falam sobre coexistência, também. Acho que o Habib foi a pessoa que menos pé atrás tinha, menos freios, nem um pouco na defensiva. Senti sinceridade absoluta. E estou falando isso porque cheguei a escutar até que o cara queimou bandeira de Israel em algum momento. Aí fui procurar e fiquei mais de uma hora catando sobre o histórico dele na internet. Não achei nada. Mas parei, porque percebi que as pessoas que o estavam criticando e, principalmente, criticando o Hillel pelo evento, não tinham razão mesmo se ele tivesse queimado coisas. Elas estavam criticando cegamente. E se ele tivesse queimado, me tira o direito de escutar o porquê ele fez isso? Não é melhor eu saber o motivo de uma coisa que eu acho errada para poder explicar que ela está errada e que pode ser diferente? Ou vai me dizer que você bate nos seus filhos sem explicar porque o “não pode”?
Se você estiver pensando em me responder dizendo que eu não procurei direito, ou que parei de procurar antes de achar que ele escreveu contra o Estado de Israel, não se dê ao trabalho. Eu li os artigos do Professor. Ele escreveu sobre a transgressão daResolução 242 do Conselho de Segurança da ONU e sobre os direitos dos palestinos de ter um Estado. E repito: não achei nada que ele tenha escrito contra Israel.
Infelizmente, a paz não pode ser feita como num aperto de mão após uma briga de crianças. “Agora pede desculpas e dá um beijo”. No mundo dos adultos, a paz acontece quando os dois ou mais lados do conflito se escutam, se perdoam e chegam a um acordo. Sem diálogo, não tem paz. Se você não quer ouvir o que o outro tem a dizer, colega, não é diálogo, pra começar. Logo, veja só, você provavelmente não quer a paz. Querer a sua versão do que é melhor pro mundo é outra história, algo como ditadura, já ouviu falar? Aconteceu no Brasil há 50 anos.
O Estado de Israel completou 66 anos de vida em 2014. Nesse meio tempo muita coisa mudou. O Estado avançou em tecnologia e ensino, é primeiro mundo no quesito saúde, possui uma diversidade enorme de instituições de coexistência e absorção. E você? Está preparado para amadurecer? Você sempre vai ser livre para ter a persistir em sua opinião. Só precisa realmente saber do que está falando. Porque já sabe, né? Se não sabe brincar, melhor não descer pro play.
Ficou claro ou quer que desenhe?
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Texto publicado originalmente no blog Oriente Médio Hoje.
Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://www.jornal.ceiri.com.br/author/carla/