Por tempo demais, judeus da diáspora têm defendido um Israel imaginário. O real parece-se muito mais com o descrito na controversa Lei do Estado-nação.
No geral, esta não foi uma semana particularmente boa para ser israelense. Com a aprovação altamente controversa, pelo gabinete israelense, da lei do Estado-nação de Israel, parece que o termo Estado judaico e democrático finalmente foi enviado para a Lua, junto com unicórnios, dragões e outros seres míticos.
O projeto de lei - na realidade, há três versões diferentes atualmente disputando a aprovação - visa resolver a tensão inata da dupla identidade de Israel, tanto judaica quanto democrática, inclinando a balança fortemente para o lado judaico. Com efeito, é uma tentativa da direita de afirmar o status de Israel como o lar nacional do povo judeu, em conformidade com a Declaração de Independência de Israel, mas sem incômodas tradições gregas que só atrapalham.
A versão do Chaver Knesset (CK) do Likud Zeev Elkin, a mais extrema das três e uma das duas aprovadas pelo gabinete essa semana, retira a palavra democrático da definição da identidade de Israel como uma nação, faz com que os princípios democráticos de Israel sejam secundários à sua identidade judaica e libera o Estado para permitir às pessoas que pertencem a uma religião ou nacionalidade a criação de comunidades separadas.
Em uma versão mais suave do projeto de lei, proposta pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu - a qual espera-se que seja aquela aprovada em definitivo - os termos judaico e democrático não aparecem; no entanto, outra palavra-chave é eliminada: igualdade. Em vez de prometer total igualdade religiosa, social e nacional a todos os cidadãos, independentemente do sexo, raça ou credo, como prometido na Declaração de Independência de Israel, o projeto de lei de Netanyahu inclui a sentença, cuidadosamente redigida, Israel vai defender os direitos pessoais de todos os cidadãos, em conformidade com todas as leis.
O fato de que isso causou uma crise política aguda, a qual quase derrubou o governo, tem contribuído para o modo absolutamente histérico pelo qual os meios de comunicação - tanto em Israel quanto no exterior - têm coberto o projeto de lei: a ruína da democracia de Israel, a destruição do caráter moral de Israel, todos os alarmes foram acionados.
Desde a sua fundação, em 1948, ponderou um auto-proclamado “magoado” editorial do New York Times esta semana, a própria existência e o objetivo de Israel - totalmente abraçado pelos Estados Unidos e pelas nações do mundo - foi baseado no ideal da democracia para todos os seus cidadãos.
Oi? Um momento!
Vamos tirar isso a limpo imediatamente: a chamada lei do Estado-nação, que foi aprovada pelo gabinete de Israel esta semana e causou um alvoroço internacional, não é o momento de decisão histórico que dizem ser.
Ele é, sim, a afirmação de uma realidade que está entrincheirada há um tempo muito longo.
Israel, em muitos aspectos, sempre foi mais judaico do que democrático. Mesmo sem uma lei como esta para codificá-los, os seus sistemas jurídico e legal já colocaram, muitas vezes, as necessidades da população judaica de Israel acima da adesão aos princípios democráticos. Cidadãos árabes e outros não-judeus de Israel têm sido sistematicamente discriminados por décadas quando se trata de acesso à educação, terra, infraestrutura, água e representação política.
Mesmo sem peças legislativas que soem como se tivessem sido desenterradas dos diários pessoais de Daniel François Malan (n.t. político sul-africano que implantou o Apartheid), Israel tem um sistema legal que permitiu a centenas de comunidades judaicas rejeitar os candidatos não-judeus para que nelas habitem, com base em “adequação social“.
Árabes israelenses não precisavam de novas razões para sentirem-se cidadãos de segunda classe, mesmo que o projeto de lei do Estado-nação atual torne essa situação praticamente oficial. Ele não é a ruína da democracia em Israel - esse navio já navega há muito tempo.
Isso não quer dizer que esta lei não seja ruim ou insignificante. É ruim porque codifica e institucionaliza os piores defeitos de Israel como nação. É ruim porque lança as bases para políticas e legislações mais discriminatórias contra os não-judeus. É ruim, porque no coração dela encontra-se um grande cinismo político, que favorece os eleitores nacionalistas antes das primárias do Likud e de uma eleição que está próxima.
Eu sinto falta dos racistas do passado, disse o CK do Balad (n.t. partido árabe da Knesset) Jamal Zahalka durante um debate na Knesset em 2008. Pelo menos eles não eram oportunistas que buscavam populismo barato. Essa semana Zahalka foi retirado à força do pódio do Knesset pelo vice-presidente do Parlamento, Moshe Feiglin, depois de chamar este de “fascista”. Qualquer ato assim, contra os muitos CK judeus - os quais têm chamado os CK árabes e esquerdistas de “traidores“, “amantes de terroristas” e termos piores ao longo dos últimos anos - é impensável, obviamente.
Então não, o novo projeto de lei do Estado-nação não é o apocalipse. Israel tem sido um Estado judaico, com o passatempo de ser democrático, por muito tempo. Na verdade, isso deveria ser esperado por qualquer um que não fechasse os olhos para o comportamento de Israel nas últimas décadas.
Mas há males que vêm para o bem: o projeto de lei é tão flagrante, tão claro, que força mesmo os defensores mais árduos e cegos de Israel a abrirem os olhos.
Em outras palavras: bem vindos, judeus da diáspora, à Israel que vocês têm evitado. Por muito tempo, vocês têm defendido um Israel imaginário. O real se assemelha muito com o descrito no novo projeto de lei do Estado-nação.
Por muitos anos, o dinheiro, a influência e o apoio incondicional de judeus da diáspora, particularmente dos Estados Unidos, permitiu muitos dos comportamentos que contribuíram para esse egocentrismo arrogante, o qual fez os políticos israelenses acreditarem que podem fazer o que bem entenderem. Muito disso foi feito em nome de um Israel que nunca existiu, idealizado, um país judaico e democrático que poderia equilibrar suas duas identidades.
Agora que essa imagem está sendo revelada como a ilusão que verdadeiramente é, os judeus da diáspora podem usar sua considerável influência sobre a política de Israel para ajudar a trazer a democracia verdadeira.
Não será uma batalha fácil. Em seu discurso na Knesset na última quarta-feira, Netanyahu permaneceu inflexível sobre suas intenções de passar sua versão do projeto de lei, dizendo a seus detratores – em voz teatralmente chocada - Eu não entendo qual é o problema de vocês.
E, realmente, qual é o problema deles? Não é como se Netanyahu estivesse mudando algo. Ele está simplesmente levantando o véu.
Traduzido do original, publicado por Asher Schechter, no Haaretz, em 28/nov/2014.
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