Carta para V.

V. querida,
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Eu peço a Deus que adoce as palavras de minha boca (ou meus dedos no teclado!). Teu email chegou a mim também, e eu queria compartilhar contigo algumas impressões. Em um momento em que estamos todos tão tomados pela dor, em que nos vemos como testemunhas do horror, onde às vezes algumas questões podem, sem intenção, gerar mal entendidos.Antes de mais nada, acho muito, muito importante te contar de que lugar eu falo. Tenho profundo amor, respeito e admiração por você e sua família. Sua mãe, preocupada, chegou a me ligar, e me deixou um livro de presente na USP, que por conta desses dias tão confusos, eu confesso envergonhada, ainda não consegui pegar. Eu vi nisto um ato de amor e doação tão típicos dela, e minha alma sorriu. Não somente por ser filha de quem você é, ou amiga de tantos que me são tão caros, mas por ser V., eu quis te responder. Tenho recebido uma enxurrada de preces, pedidos, cartas, textos bem pensados, emoções, dúvidas e toda a sorte de manifestações de angústia que você possa imaginar. Não dou conta de tudo, mas ali, era você.
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Eu sou uma das que não só advogam por uma postura crítica em relação a Israel, como tenho trabalhado incansavelmente na formação de jovens on e offline e no estabelecimento de canais de comunicação, não somente entre palestinos e israelenses, mas principalmente na humanização das relações entre palestinos de Gaza aterrorizados e a centímentros da morte e de israelenses destroçados pelos ataques constantes de mísseis, e a vida interrompida dos dois lados. Ainda assim, Manal, que mora em Belém, na Cisjordânia, esses dias deu a luz a uma linda menininha, nos lembrando que a vida não espera a guerra acabar. Eu concordo e incentivo toda a movimentação que vise a interrupção imediata de qualquer ato de violência, e queira Deus, o estabelecimento da paz na região que me é tão querida. Existem inúmeras nuances na interpretação dos fatos, e de tantas que são, fica difícil estabelecer uma verdade única. Então, com humildade, aceito que todas as verdades têm seu lugar e sua razão de ser. Mas foram duas palavras que você usou, e somente elas, que me geraram um arrepio na espinha. Você se referiu a Israel como “fascista e perverso”, e é neste ponto que eu queria tocar. Estamos falando de guerra, ocupação na Cisjordânia e cerco a Gaza (outras pessoas classificarão de outra forma, mas não é esta a discussão que me importa), excesso de violência e morte de civis. Atos que, a meu ver, devem sim ser julgados pela comunidade internacional. Tanto aqueles cometidos por Israel, como pelo Hamas, estes últimos, não somente em relação ao inimigo, mas à sua própria gente. Mas o ser “fascista” implica em filosofia, na intenção de deslegitimação do outro. “Perverso”, pressupõe ter o ódio nas entranhas e satisfazer-se diante do sofrimento deste outro. Estes termos me parecem perigosos, e nos aproximam daqueles que, semana passada, caminharam pela Brigadeiro Luís Antonio, gritando “fora judeus”, “morte aos judeus”, além de outras tantas falas inflamadas do mesmo teor, bem aqui, na nossa paisagem e na nossa língua-mãe. Nos colocam a um passo daqueles que destroem, incendeiam e espalham terror pelas ruas da nossa amada Paris. Se eu te escrevo é porque eu sei que você não é um deles, nem de longe. Eu sei que a dor e o sentimento de impotência te impedem de dormir à noite, Assim como a mim, também com a vida interrompida. E eu sei que é o sentimento de amor ao próximo que te move, que a indignação e a urgência tomam conta do teu coração, e eu me uno a você neste grito. Grito de dor por todas as barbáries que esta nossa humanindade tem testemunhado, e mais ainda por esta especificamente, que se por um lado, insiste em querer me representar, por outro vitimiza auqueles que eu permiti que fizessem parte do meu ser. Mas é preciso algum cuidado, para que no calor da emoção, não descartemos toda a textura de um conflito feito de gente, e caiamos na tentação de apontar vítimas e algozes como se se tratasse de uma dimensão achatada, onde não se identifiquem os rostos. No meio desta cena dantesca, tenho encontrado muitas bênçãos, e é nelas que me fio. Deixo aqui o link para dois vídeos sensíveis, vindos do fundo da alma. O primeiro é da menina Angie, que cheia de dor, quis mostrar ao mundo o horror que ela tem presenciado em Gaza. Ela me disse hoje que nunca imaginou que seu vídeo causasse tanto impacto, que recebeu mais de mil mensagens de desconhecidos, ao que lhe respondi que pequenas atitudes têm um poder infinito. O segundo, é uma resposta de uma israelense, Adele, que mora na fronteira com Gaza. Que estas duas mulheres possam, de alguma forma, preencher teu coração de esperança, como fizeram com o meu. Um grande beijo e um abraço apertado, que é isto mesmo o que estamos precisando neste momento. Angie:
Adele:

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