O conflito entre israelenses e palestinos – ou entre sionistas e árabes, se considerarmos que iniciou-se no século XIX, quando não havia o Estado de Israel nem a nação palestina – não se resolve com facilidade devido, entre outros motivos, ao medo que aflige ambas as sociedades. Pavor e trauma são sentimentos típicos dos habitantes do naco de terra entre o Jordão e o Mediterrâneo. Enquanto os israelenses são levados a terem medo do mundo muçulmano e dos jihadistas globais, os palestinos carregam rancor e temor de Israel e dos sionistas. Por isso, o sentimento – medo – que une os dois povos em conflito também gera uma sensação única entre ambos: a eliminação iminente nas mãos de seus respectivos nêmesis (muçulmanos jihadistas e Israel). Os palestinos temem Israel, que teme os muçulmanos; círculos concêntricos de trauma, como em um jogo de dardos.
Judeus, que constituem mais de 75% da população do Estado de Israel, são inquestionavelmente reconhecidos por sempre terem sofrido discriminação, perseguições, massacres e, obviamente, o Holocausto. O trauma gerado por essa tragédia, onde foram assassinadas 6 milhões de pessoas – um terço da população judaica do planeta – ainda não abandonou a mentalidade do israelense médio. No nascer do século XXI, os israelenses adquiriram mais um ingrediente para a receita do medo eterno: a Segunda Intifada. Entre 2000 e 2005, palestinos (inclusive mulheres) entravam em discotecas, cafés, pizzarias e ônibus em Israel e, com o apertar de um botão, explodiam-se, no intuito de levar consigo o maior número possível de judeus. À luz do dia, em locais movimentados, os suicidas palestinos criavam cenários dantescos de concreto, metal, sangue e corpos despedaçados. Atualmente, a menção a um novo Holocausto não é rara, e seus possíveis perpetradores são conhecidos: grupos terroristas jihadistas (Hamas, Hezbollah, Estado Islâmico, Al-Qaeda, Boko Haram, etc) e um Irã munido de bombas nucleares. Esses atores frequentemente enfatizam, entre seus objetivos, a matança de judeus e a eliminação do Estado de Israel.
A narrativa palestina do conflito é extremamente penosa e dolorida. O sofrimento causado pelo Mandato Britânico, pelos sionistas e pelos sucessivos governos israelenses persiste até hoje. Os palestinos foram presos, torturados, mortos e oprimidos pelos britânicos. Além disso, viram o governo da Rainha favorecer os sionistas, que imigravam e adquiriam terras em números significativos no pré-2a Guerra; Sir Herbert Samuel, Alto Comissário inglês na região entre 1920 e 1925, era judeu. Em 1948, os sionistas trouxeram a maior tragédia palestina: a Nakba (catástrofe), onde 700 mil pessoas foram obrigadas a sair de suas casas e vilas, muitos milhares foram mortas e a nação palestina foi humilhada. De 1948 a 1966, os palestinos restantes em Israel foram governados por militares, numa gestão discriminatória e diferente dos demais habitantes do país. Na longa lista de tragédias palestinas causadas por Israel estão Deir Yassin (1948), Kafr Qasim (1956), a Naksa (1967), a traição dos egípcios em 1974 e Sabra e Chatila (1982). Desde 1967, os sucessivos governos israelenses tomaram terras palestinas em Gaza e Cisjordânia, oprimiram e mataram seus moradores, impediram-nos de locomoverem-se, trabalharem e conduzirem suas vidas dignamente. Políticos israelenses no atual governo, como Avigdor Lieberman e Naftali Bennett, falam abertamente na inferioridade cívica dos palestinos e em sua possível expulsão de Israel.
Esse enredo de tragédias passadas e presentes, sofrimento histórico e recente cria, nas mentes de palestinos e israelenses, a clara possibilidade de novas catástrofes e massacres. Esse medo é muito presente nas produções artística e cinematográfica, nos discursos políticos, nas notícias de jornal e nos diálogos rotineiros. Sociedades traumatizadas, que em qualquer interação com a outra carregam esse trauma e o medo de uma traição, uma reviravolta e de ver-se exposto e indefeso ao “inimigo”. Nas muitas conferências, planos, acordos e road maps de paz, um elemento de pressão popular (e até mesmo pessoal, na mente dos líderes) é o medo, o qual trava concessões, impede aberturas e antecipa cenários somente negativos. Governantes que utilizem-se do discurso do medo são favorecidos e obtém simpatia popular. Políticos que falem de “concessões”, “sacrifícios” e “empatia” são desmoralizados após o próximo atentado terrorista palestino ou a próxima punição coletiva israelense. Os estímulos errados aos políticos geram os sentimentos errados nos cidadãos, esse círculo fecha-se, alimenta-se e seguimos caminhando como caranguejos, transversalmente aos compromissos necessários à paz.
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