Traduzido do original por Marcel Beer Kremnitzer
Ironicamente, o movimento de boicote demonstra algum nível de fé na democracia israelense, ao crer que alguma pressão pode motivá-la a mudar
Quando a última flotilha partiu mar adentro a Gaza, para protestar contra os oito anos de bloqueio israelense, o primeiro-ministro Netanyahu escreveu uma carta aberta aos ativistas. Em tom altamente sarcástico, sugeriu que eles haviam tomado uma curva errada no caminho da Síria. É parte de um discurso obsessivamente repetido: “Há violações piores por aí, mas ninguém nunca protesta contra elas. Portanto, denunciar a ocupação em nome dos palestinos é hipocrisia, antissionismo ou antissemitismo. Portanto, tudo isso pode ser ignorado.” Em nenhum lugar esse argumento é mais repetido do que como resposta aos esforços de boicotes, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel.
Numa primeira análise, esse ponto é genuinamente tocante. Ninguém que alegue preocupar-se com direitos humanos pode dormir à noite sabendo o que está acontecendo com milhões de sírios; eles estão sendo deslocados à força, expulsos e massacrados.
O problema não é que pessoas progressistas não liguem para essa tragédia. O problema é que as acusações de indiferença mundial são puramente falsas. Independentemente de você apoiar ou sentir desprezo pelo boicote a Israel, chegou a hora de parar de taxá-lo de hipócrita.
Comecemos pelas sanções. Os Estados Unidos e a Europa colocaram em vigor, ambos, sanções ao Irã por violações a direitos humanos – não por pesquisas nucleares. Sanções internacionais com o intuito de dar fim a crimes contra direitos humanos começaram muito antes da alegada “discriminação hipócrita” contra Israel, inclusive antes da ocupação dos territórios palestinos.
Em 1965, a Grã-Bretanha colocou em vigor sanções contra a Rodésia; então, um ano depois, pela primeira vez na História, o Conselho de Segurança da ONU autorizou sanções internacionais, pelos próximos 14 anos, contra esse governo da minoria branca, até que a Rodésia criou um governo mais justo e tornou-se o Zimbábue. (Israel, acidentalmente, foi um dos países que desrespeitou as sanções – demonstrando, ao menos, coerência moral e política.)
A ONU impôs sanções contra o Iraque (em 1990, pelo tratamento dado aos kuwaitianos durante a invasão desse país) e contra a Iugoslávia no começo dos anos 90, pelo tratamento de suas minorias étnicas. Nesses casos, as sancões precederam intervenções militares internacionais, algo que nunca esteve perto de ser considerado pelo Ocidente no caso de Israel.
Outros países, notáveis em termos de desrespeito aos direitos humanos, foram colocados sob regimes internacionais de sanções, como Sudão, Somália e Serra Leoa. Incluindo sim, ela mesma, a Síria. A acusação de “discriminação” contra Israel é simplesmente falsa.
E os crescentes boicotes originados entre acadêmicos e artistas? Qual o motivo para não se voltarem contra Coréia do Norte, ou o Estado Islâmico?
Em primeiro lugar, celebridades provavelmente querem apoiar o que eles entendem ser o lado mais fraco, que precisa de mais atenção, a qual eles podem atrair. A narrativa israelense prevaleceu no Ocidente pelo maior parte do tempo que tem durado a ocupação dos territórios palestinos. O povo palestino foi essencialmente ignorado; rotulado coletivamente como terrorista; e seus desejos e experiências de vida, sob a ocupação israelense, mal interpretados ou ignorados. A última década de atenção à realidade palestina pode ser encarada como um pêndulo vindo em favor deste povo.
Celebridades podem achar que a atenção que elas têm não é necessária para as vítimas do Estado Islâmico. Todos concordamos que ser afogado, decapitado, empurrado do alto de um prédio ou queimado com ácido é medonho e abominável.
Em segundo lugar, é interessante trabalhar para uma causa na qual existe uma possibilidade real de fazer a diferença. A Coréia do Norte é uma fortaleza impenetrável, a qual dá de ombros para argumentos ligados a direitos humanos ou democracia, se é que minimamente os considera.
No entanto, justamente por Israel ter um ethos democrático, sendo parte do Ocidente e dialogando com ele, ativistas acreditam que há ganhos a se obter. Eles estão certos. Se Israel quer ser mais democrático com todos sob seu controle, certamente possui o funcionamento e o pensamento político para que isso aconteça. Por considerar-se um país democrático, a quase pentagenária ocupação dos territórios palestinos fica ainda mais ofensiva.
Há, porém, uma razão ainda mais simples para estudantes, celebridades, acadêmicos e outros indivíduos clamarem pelo boicote a Israel e não a outros países: os palestinos pediram isso.
O movimento BDS é definitivamente problemático. Há uma lacuna entre seus objetivos declarados e a ideia, às vezes exposta pelos seus apoiadores, que sem acabar com o Estado de Israel não haverá sucesso. Os ativistas do BDS podem ser agressivos e coercitivos. O boicote – especialmente contra a Cisjordânia – pode afetar mais aos palestinos que aos demais, tirando seus empregos.
Esses problemas são significativos. No entanto, assim como Israel espera que seus apoiadores sigam juntos (stand with us) apesar de seus problemas, também os palestinos pedem que as pessoas permaneçam ao lado deles a despeito de suas falhas. O movimento anti-apartheid sul-africano imolou colaboradores. Isso não impediu governos e corporações ocidentais, e todos no meu ensino médio, de orgulhosamente aderir ao boicote da África do Sul. Nós não odiávamos os brancos sul-africanos, e os aderentes ao boicote atual não são antissemitas automáticos. Eles só concluíram que é importante ter solidariedade, e o boicote é o que os palestinos pediram como ajuda.
Em todo caso, quais são as outras opções? Será que aqueles que pedem por liberdade aos palestinos deveriam protestar contra a ocupação da maneira que a força ocupante deseja? Na verdade, Israel rejeita todas as formas de protesto neste tópico. Violência é, obviamente, errada. Ações diplomáticas são rotuladas de tramóia antissionista. Demonstrações populares sem armas em vilarejos da Cisjordânia são reprimidas com gás lacrimogênio, água imunda, prisões e mortes. Negociações (fracassadas) são invariável e totalmente culpa dos palestinos. O boicote é chamado de “terrorismo econômico” – e, claro, hipocrisia.
Se o movimento de boicote é acusado de querer eliminar o Estado de Israel, os agressivos mensageiros “pró-Israel” têm como objetivo o esquecimento geral e total da ocupação dos territórios palestinos. Defensores das políticas israelenses devem responder a essa acusação se esperam uma posição razoável do BDS.
Caso contrário, ativistas continuarão enxergando a hipocrisia de Israel: uma democracia que mantém pessoas acorrentadas. Um país que poderia mudar, precisamente por ser “a única democracia do Oriente Médio”. Estranhamente, provavelmente de uma maneira não-intencional, os protestos dos ativistas do BDS mostram a fé que têm que Israel, no fim, honrará seus valores democráticos se for um pouco mais pressionado, ou se eles puderem revelar as contradições internas aos israelenses que não as enxergam.
Alguns ativistas não querem só berrar suas opiniões. Eles querem concretizar algo, mesmo que não seja algo perfeito. Nós provavelmente acharíamos isso louvável, fosse a favor de qualquer outra causa.
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