Minha vinda a Israel se construiu a partir de uma indicação para um Seminário Internacional de Diálogo entre Educadores para Israel. Hoje, no meu último dia de estadia nesse país, posso afirmar que os quatro conceitos básicos trabalhados ao longo do seminário – Educação, Israel, Identidade, e Judaísmo – também perpassaram meus dias fora do Seminário. Nesse sentido, esses conceitos deixaram de ser definições estáticas e passaram a ser reflexões dinâmicas, que dão a possibilidade de ser mexidas e remexidas, com o intuito quebrar o “lugar em que temos razão” e dar a oportunidade de “flores crescerem”¹.
Primeiro, gostaria de refletir sobre a educação. Ao lidar com a educação, não me refiro exclusivamente ao processo escolar, mas sim à formação constante de relações entre um ou mais seres humanos, que representam sua comunidade a partir de uma vida escolhida e construída, na qual ambos alteram a sua percepção de mundo. Nesse sentido, me parece que a educação sobre Israel, sobre Identidade, e sobre Judaísmo está sendo deixada para trás, e no seu lugar está aparecendo a busca pela informação e pela opinião imediatista. Os jornais, detentores de um poder de compartilhamento de informação, assim como o Facebook, plataforma pessoal de compartilhamento de opiniões, aparecem nos difíceis dias de conflito como impulsionadores de uma polarização. Ou se é a favor de Israel, ou dos Palestinos. Ao pensarmos dessa maneira a educação é jogada no lixo. É preciso colocar luz naqueles que questionam os números de mortos se não aparecem nas pesquisas os mortos do outro lado, é preciso colocar luz naqueles que buscam entender os interesses políticos e econômicos dos seus próprios líderes governamentais, é preciso colocar luz naqueles que exibem seu humanismo sem medo de serem considerados traidores do seu próprio povo.
Nesses dez dias que passei aqui, a minha percepção é que Israel está dividida em 3 regiões que lidam de maneira diferente com o conflito, e que para além do território israelense, os moradores de Gaza estão no inferno.
Jerusalém
A região de Jerusalém foi a primeira região que eu tive contato. Essa região é única, pois é uma região de “Fanáticos”². Foi em Jerusalém que, após o descobrimento que os três jovens judeus sequestrados na região de Hebron³ estavam mortos, seis jovens judeus colocaram fogo em um palestino. A partir disso, a cidade se tornou um território de luta política e social entre grupos que acreditam no Diálogo como solução e outros que acreditam na violência. Participei em uma caminhada contra a violência, contra os racistas, e contra a definição de que palestinos e israelenses são, necessariamente, inimigos. Ao longo dessa passeata, a quantidade de gente que vinha discordar de nós e gritar contra os palestinos foi assustadora, como vocês podem ver no link de um filme que fizeram. Além disso, Jerusalém*4 também esta sofrendo com os Alarmes, que tocam para avisar a necessidade de chegar em um lugar protegido, em um minuto e meio. Nesse quesito, Jerusalém se iguala com a região central do país e parte da região norte.
Região central
As pessoas das áreas que estão sendo atingidas por foguetes tem plena confiança em um sistema ultra-teconológico (e diga-se de passagem que custa milhões de dólares) desenvolvido por Israel, que calcula a rota e envia um míssil para destruir os foguetes. Com essa confiança ontem eu acordei ao escutar um alarme e me distanciar das janelas do apartamento, que estou em Tel Aviv, para esperar o barulho do míssil encontrando o foguete. A vida das pessoas nessas regiões não se alteram, e é por isso que a minha divisão incluiu a região do Sul como uma região específica.
Região Sul
Não me motiva compartilhar quantos foguetes já caíram nessa região, mas, por causa da ordem de grandeza desse número a vida das pessoas que lá se encontram parou. Agora, em Israel, é época das Férias de Verão, mas, se seus filhos tem quinze segundos (pela proximidade geográfica, lá o tempo é menor) para alcançar um local seguro e a cada dez minutos (ou menos) soa o alarme, aonde eles irão passar seus dias livres? No bunker. É assim que os moradores do Sul de Israel enfrentam seus dias e temem suas noites.
Gaza
Por fim, uma realidade que não há palavras para entender: a realidade de Gaza. Os moradores de lá não contam com um governo que os proteja e que gaste dinheiro com uma estrutura de proteção, os moradores de lá estão sob domínio do Hamas. Pior do que uma sociedade onde é cada um por si, é uma sociedade em que os fanáticos que estão no poder te colocam no meio de um conflito no qual quem perde a vida é você. Os moradores de Gaza perdem suas vidas por serem vítimas do Hamas, e a comparação entre o número de mortos lá e em Israel não é um argumento que eu utilizarei. A perda de vidas inocentes deve ser rechaçada, a utilização de uma estratégia militar para solucionar o conflito deve ser criticada, não importa a onde for. Se hoje eu acordei com a música de pássaros cantando e consigo acreditar que a paz está por vir, eu não consigo imaginar como os moradores de Gaza acordaram, será que eles conseguiram dormir?
Considerações finais
Vivendo em um mundo pós-moderno, no qual a tecnologia alcançou níveis antes inimagináveis, no qual a globalização alterou sem volta a nossa capacidade de nos conectar, no qual já não existe economia desligada do que acontece no outro pólo do mundo, no qual artistas são interurbanos, interestaduais, internacionais, é preciso voltarmos a nos identificar como seres humanos. Ao nos distanciarmos das polarizações que só existem nos contos de fadas, nos aproximamos de uma complexidade difícil de entender, que dá trabalho compreender, e que talvez seja impossível absorver. Assim, faz sentido os conhecimentos judaicos na procura por uma estabilidade na raíz e não na riqueza de seus frutos , e também os ensinamentos judaicos*5 de que ao tratar o outro como você gostaria de ser tratado*6, há a abertura para um diálogo entre Eu e Tu*7, e apenas assim a sinceridade de opiniões pode construir um futuro melhor.
1 Expressões do Poema de Yehuda Amichai “Do lugar em que temos razão”.
2 Expressão de Amós Oz “Between Right and Right: How to deal with Fanatics”.
3 http://www.conexaoisrael.org/olho-por-olho/2014-07-02/claudiodaylac
4 http://www.conexaoisrael.org/nao-passarao/2014-07-11/marcos
5 Pirkei Avot, Capítulo 3, Versículo 17: “Rabi Elazar ben Azaria disse: Se não há Torá, não há conduta social adequada; se não há conduta social adequada, não há Torá. Se não há sabedoria, não há temor [a Deus]; se não há temor [a Deus], não há sabedoria. Se não há conhecimento, não há entendimento; se não há entendimento, não há conhecimento. Se não há farinha [sustento], não há Torá; se não há Torá não há farinha. Ele costumava dizer: A pessoa cuja sabedoria excede suas [boas] ações, a que ele é comparado? A uma árvore cujos galhos são numerosos porém suas raízes são poucas, e o vento vem, arranca-a e vira-a de cabeça para baixo, conforme foi dito: E será como árvore solitária em terra árida e não verá quando chega o bem; habitará em terra seca no deserto, em salina inabitável. Mas aquele cujas [boas] ações excedem sua sabedoria, a que ele é comparado? A uma árvore cujos galhos são poucos mas cujas raízes são numerosas, de modo que mesmo que viessem todos os ventos do mundo e soprassem sobre ela, não conseguiriam movê-la de seu lugar; conforme foi dito: E ele será como uma árvore plantada junto às águas, que estende suas raízes até a correnteza, não sentirá a chegada do calor, e sua folhagem será rejuvenescida; no ano de seca não se preocupará, nem deixará de dar fruto.”
6 Levítico, Capítulo 19, Versículo18: “(…) amarás o teu próximo como a ti mesmo. (…)”
7 ” A palavra-princípio EU-TU só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A união e a fusão em um ser total não pode ser realizada por mim e nem pode ser efetivada sem mim. O EU se realiza na relação com o TU; é tornando EU que digo TU.” Buber, Martin. Eu e Tu. Editora Moraes, 1974. São Paulo.
Texto publicado originalmente no site Amaivos.
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