A primeira Alexandria que eu me deparei foi uma cidade grande e feia. Como Cairo que tinha acabado de conhecer, aparentemente não havia leis de trânsito. Era o tempo todo uma loucura, barulhos de buzina, carros na contramão, conversões proibidas. Não havia semáforos e a cada vez que se estava nas ruas se presenciava vários quase acidentes.
A segunda Alexandria que eu conheci foi a dos pontos turísticos. A do pilar de Pompéia, da catacumba, das mesquitas, da citadela e da biblioteca. Esses lugares eram bastante frequentados por aqueles turistas típicos com suas câmeras fotográficas.
A Alexandria que eu queria encontrar, entretanto, era a Alexandria do meu pai. Queria caminhar pela mesma calçada da praia que tinha ladrilhos quentes devido ao sol e que outrora queimavam seus pés. Queria ver a rua Luxor, onde ficava sua casa, e suas redondezas, onde costumava brincar. Queria ver a praça que tinha um monumento de um cavalo imenso, onde ficava a loja de seu avô. Queria comer aqueles deliciosos biscoitos que os egípcios chamam de ghouraieba. Meu pai viveu no Egito, mais precisamente em Alexandria, até os seis anos de idade e o que restou desse período foram apenas poucas lembranças de infância.
Fui pro Egito com alguns amigos em um desses pacotes turísticos. O pacote era de quatro dias, sendo dois em Cairo, um em Alexandria e um no Monte Sinai. Era tudo organizado pelo hotel em que ficamos. O pessoal de lá estava responsável por nossos passeios, por nos levar e buscar dos pontos turísticos de carro.
Ao aceitar ser um turista no Egito, me dispus a estar sujeito a como um turista costuma ser visto em qualquer lugar turístico. Ou seja, como um gringo que veio gastar dinheiro.
Eu queria confiar nas pessoas. Queria estar aberto ao outro, aberto a uma nova cultura. Não gostava do comportamento da maioria dos turistas. Não gostava de estar onde estava muitos turistas. Sentia que, por eu ser visto como gringo, não podia confiar nas pessoas, pois sempre havia algum interesse por detrás. Essa sensação me gerou um incômodo tão grande, que eu acabei passando indiferente por uma pirâmide em cima de um camelo. E o incômodo se tornou muito maior quando eu senti que precisava pedir ajuda pra conseguir conhecer o lugar onde nasceu meu pai. Ou seja, justamente quando eu senti que precisava tirar a máscara de gringo com uma câmera fotográfica pra me mostrar um filho em busca do passado do pai.
Perguntei ao motorista que estava nos levando a Alexandria se ele conhecia a rua Luxor.
- Não.
- Fica perto da Cornische.
- Mas você sabe o tamanho da Cornische?
- Se for possível, eu gostaria de ir a rua Luxor. Essa foi a rua que meu pai morou há 50 anos atrás. Isso é importante pra mim.
Depois de um tempo em que não se falou mais sobre isso, enquanto seguíamos o roteiro padrão de Alexandria previsto no pacote que tínhamos comprado, eu relembrei o motorista. Pedi a ele pra perguntar a alguém onde ficava a Rua Luxor. Então, quando reencontrei-o depois de retornar ao carro de mais um ponto turístico, ele me disse que a Rua Luxor sim existia, mas que ficava muito, mas muito longe.
E, assim, eu entrei triste na citadela, indiferente à sua história. Subi em um lugar em que era possível ter uma vista da cidade. Enquanto passava meus olhos diante dessa Alexandria que estava à minha frente, ficava pensando em como eu encontraria a Alexandria do meu pai. Decidi que eu não queria saber mais daquele motorista, que não queria saber mais da citadela e de outros turistas, decidi que iria pegar um taxi pra chegar à rua Luxor. Avisei, então, meus amigos e fui conversar com o motorista pra combinarmos um ponto de encontro.
Mas parecia que ele não queria me ouvir.
- Escuta, você sabe o tamanho de Alexandria? Se você não sabe o distrito em que fica essa rua Luxor, você nunca vai chegar lá. Pode ser que haja várias ruas Luxor em Alexandria.
- Se você não sabe chegar lá, não tem problema, eu pego um taxi. Isso é muito importante pra mim.
- E por que é importante encontrar uma rua de cinquenta anos atrás, que você nem sabe se existe mais? Alexandria hoje é uma cidade completamente diferente!
Nesse momento, eu já tinha lágrimas nos olhos e só conseguia repetir:
- Isso é importante pra mim. Esse é o lugar em que meu pai viveu.
Em algum momento, uma raiva intensa passou a fazer companhia às minhas lágrimas. Era uma raiva que se dirigia ao lugar em que estava e às pessoas à minha volta. Parecia não existir possibilidade de comunicação. Senti que não consegui fazer com que me vissem como alguém além de um gringo que veio sair sorrindo em uma foto em frente à citadela de Alexandria.
Ao final do que estava programado pro dia, entrei no carro triste e conformado. Estava cansado. Talvez aquela Alexandria do meu pai não existisse mesmo. Ou talvez ela existisse apenas dentro de mim. E apenas dentro de mim eu poderia encontrá-la, apenas dentro de mim poderia guardá-la.
O motorista, que no fundo não era insensível nem indiferente, me levou para comprar ghouraiebas. E quando, ao estarmos saindo da cidade, passamos por uma praça com uma estátua de um cavalo, ele disse:
- Aí está o seu cavalo.
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Texto publicado originalmente no blog Algumas Coisas Escritas
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