Podemos dizer que a internet é, atualmente, se não a principal, uma das principais ferramentas de divulgação de conhecimento e opiniões. Diariamente são publicados, comentados e compartilhados milhares de artigos acerca dos mais variados assuntos. O conflito árabe israelense é tema recorrente, e chama a atenção por sua polêmica e não rara polarização de opiniões.
O espaço para comentários dos leitores nos diversos portais de notícias é interessantíssimo, já que traz os mais diversos pontos de vista e pode servir para favorecer a troca e o diálogo; mas quando não utilizado com responsabilidade, pode ser muito perigoso.
No site Opera Mundi, por exemplo, que conta hoje com 32.991 seguidores no Facebook e 23.291 no Twitter, a recente publicação do artigo “Maioria dos judeus em Israel é a favor do Apartheid”, citado e comentado aqui por Uri Politis, gerou uma série de comentários, muitos deles com alto teor racista.
Não irei abordar aqui aqueles que escancaram o apoio à barbárie e ao genocídio, que são inadmissíveis e devem ser rechaçados em qualquer circunstância. Cito um deles apenas de maneira ilustrativa:
Assim como o comentário acima, outros insistem em trazer à tona a temática do Holocausto e do nazismo, fazendo uma comparação sistemática que aproxima o regime totalitário de Hitler com a atual situação do Oriente Médio. O mínimo de bom senso e estudo é suficiente para perceber as diferenças brutais entre uma coisa e outra e, por isso, também não perderei tempo fazendo tal distinção.
Porém, acho que vale a pena refletirmos aqui sobre uma ideia muito presente no discurso daqueles que criticam o Estado de Israel afirmando que “os judeus não aprenderam nada com o Holocausto”, como é o caso dos comentários abaixo:
Sem fazer grandes interpretações, percebemos que o que está por trás deste tipo de afirmação é a crença de que o assassinato de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial ocorreu para ensinar algo a esse povo.
Assim, dizer que os judeus deveriam ter aprendido algo, e não aprenderam, é conceber o genocídio judaico como uma espécie de “lição” ou “castigo” que não surtiu efeito. E ainda mais: é afirmar que o holocausto não foi suficiente.
Tais interpretações demonstram um erro grave de leitura dos acontecimentos históricos. Deveriam ter aprendido algo os negros com 300 anos de escravidão? Ou os japoneses com os absurdos vividos em Hiroshima e Nagasaki?
Se o Holocausto pode nos trazer algum ensinamento, é um ensinamento válido para toda a humanidade: a que ponto o preconceito e a intolerância podem chegar. Mas o fato é que não vemos este tipo de argumentação quando se critica a opressão em qualquer outro conflito espalhado pelo mundo.
O que podemos e devemos reivindicar do Estado (e não do povo) judeu é o respeito às leis internacionais e aos direitos humanos garantidos por elas, sem se utilizar de uma das maiores catástrofes da história mundial para criticar uma comunidade étnico-religiosa. Devemos nos solidarizar com todos os que são e foram vítimas da opressão da mesma maneira, sendo coerentes e rechaçando qualquer forma de discriminação e barbárie vividas no passado, no presente e no futuro.
Acredito que essas fotos sejam um registro da idealização criada por uma educação judaica sionista. As fotos são da minha primeira viagem a Israel, quando fiquei maravilhado por estar em um lugar onde acreditava ser “o principal lugar do mundo”. Por isso, justifica-se o pictorialismo nelas contido.
Quando olho para essas fotos hoje, vejo uma inocência, uma ignorância e, até mesmo, uma ingenuidade. Um período em minha vida que não existe mais. Mas fico feliz que, através da produção imagética, consigo lembrar, e tornar o momento, efêmero, eternizado.
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é sempre muito aguardada por cinéfilos de toda a cidade. Afinal, trata-se de uma oportunidade única para conferir no cinema filmes que jamais irão entrar em cartaz.
Para mim, além de permitir o acesso a filmes dos mais diversos países, a Mostra sempre significou a possibilidade de contato com outras dimensões da vida israelense e palestina que não apenas aquela do conflito nacional entre os dois povos.
Creio que foi nas salas de cinema que, pela primeira vez, pude perceber a complexidade das duas sociedades, sua heterogeneidade, seus conflitos internos e seus dramas cotidianos característicos que, muitas vezes, são silenciados pelo imperativo embate nacional.
Nesta sexta-feira, dia 19/10, tem início a 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Mais uma vez, diversas produções israelenses e palestinas integram a programação. Vale a pena conferir!
♦
ÁGUA / WATER
2012 ● Israel, Palestina ● color ● digital ● 117 min. ● Ficção
Direção: NIR SA’AR, MOHAMMAD FUAD, YONA ROZENKIER , MOHAMMAD BAKRI , AHMAD BARGOUTHI , PINI TAVGNER , TAL HARING , MAYA SARFATY
Direção geral: YAEL PERLOV
Água” é um projeto com sete curtas, feitos por oito diretores, todos girando em torno da necessidade de água, idealizado pela cineasta Yael Perlov.
No interior de Israel, um jovem casal de Tel Aviv tem que dividir uma fonte com um grupo de trabalhadores palestinos, divididos entre medos ancestrais e pequenos gestos de solidariedade (Still Waters). Durante o verão, um vendedor de água palestino fornece tanques e poços na área de Belém, deixada seca pelos colonizadores (The Water Seller). Um soldado israelense que está á beira de um ataque de nervos e um camponês palestino que quebra o toque de recolher para irrigar suas melancias tentam domesticar um burro (Raz and Raja). Um ator famoso e seus dois filhos têm uma relação particular, movida a desentendimentos e gotas de colírio, com a vizinha, uma senhora que sobreviveu aos campos de concentração (Eye Drops).
Um velho árabe, que viveu nos EUA por anos, gerencia uma piscina. Famílias palestinas que nunca viram o mar a frequentam até os colonizadores israelenses invadirem o espaço (Kareem’s Pool). Um soldado israelense, durante um intervalo dos seus exercícios de treinamento, lembra de um episódio da sua infância: sua mãe lavando seu cabelo em uma banheira, enquanto seu pai o apressa (Drops). Uma judia ortodoxa jovem e tímida espera que seus pais a levem num Shiduch, um encontro que o promove o casamento. Enquanto isso, ela tem uma conversa estranha com um encanador através de uma porta fechada (Now and Forever).
Datas e locais
23/10 (terça) – 19:30 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
25/10 (quinta) – 15:40 – Livraria Cultura
31/10 (quarta) – 21:20 – Reserva Cultural
♦
CANÇÃO PARA O MEU PAI / LULLABY TO MY FATHER
2012 ● Israel, França, Suíça ● color ● digital ● 82 min. ● Documentário
Direção: AMOS GITAI
Nas palavras do diretor:
“O filme intercala eventos históricos com memórias pessoais. Eu analiso a maneira como a arquitetura reflete mudanças sociais e aqueles que dão forma a arquitetura.
Acompanhamos a trajetória de Munio Gitai, meu pai, nascido em 1909, em Silésia, na Polônia, filho de um meeiro de um junker (proprietário de terra) da Prússia. Aos 18 anos, Munio se muda para Berlim e Dessau para estudar na Bauhaus de Walter Gropius, Kandinsky e Paul Klee. Em 1933, a escola é fechada e logo depois Munio é acusado pelos nazistas de trair o povo alemão. Ele é preso e deportado para Basel. De lá, ele se muda para a Palestina. Em Haifa, ele começa sua carreira como arquiteto, adaptando os princípios do modernismo europeu para o Oriente Médio.
Lullaby to my Father é a jornada de busca do relacionamento entre um pai e seu filho, entre arquitetura e cinema; a história de um percurso e de memórias pessoais. Assim como Carmel, meu filme que tem como base as cartas da minha mãe, Efratia, não há sequência cronológica dos acontecimentos. Não é uma reconstituição biográfica, mas sim um mosaico. A narrativa ganha forma peça por peça, através da associação poética das imagens, rostos, viagens, arquitetura e pedaços de ficção”.
2009 ● Israel, França, Itália ● color ● digital ● 93 min. ● Documentário
Direção: AMOS GITAI
O filme é um caleidoscópio de imagens e associações do passado judeu e do presente israelense, esculpido por memórias coletivas e pessoais do diretor. Com narração da atriz Jeanne Moreau, como uma espécie de coro que recita textos e poemas, o filme mostra Gitai visitando um acampamento do Exército israelense, onde lamenta as “meias verdades e meias mentiras” na televisão e a “guerra sem fim” na qual o filho está agora empenhado no combate. Como contraponto a essas guerras antigas e modernas, ele apresenta as memórias de sua mãe, que passou grande parte da década de 1960 em Londres, por meio de letras, sons e anedotas.
2012 ● França, Israel, Turquia, Palestina ● color ● digital ● 88 min. ● Ficção
Direção: HIAM ABBASS
Uma família palestina mora no norte da Galileia e se reúne para celebrar o casamento de uma das filhas. Conflitos internos explodem entre membros diferentes da família. A tensão aumenta quando o pai entra em coma e fica mais próximo da morte.
2011 ● Israel ● color ● digital ● 86 min. ● Ficção
Direção: MAYA KENIG
Depois de morar dez anos longe do pai, Libby, uma adolescente introvertida, é enviada para morar com ele em Israel. Sua chegada coincide com a irrupção da segunda guerra do Líbano. Libby logo descobre que seu pai, Shaul, é um sujeito excêntrico que não tem onde morar. Shaul bola um plano para arrumar um apartamento – eles fingem ser refugiados da região bombardeada ao norte de Israel e são acolhidos por uma família de Jerusalém. Finalmente morando numa casa “normal”, Shaul e Libby começam a construir uma relação de pai e filha, mas suas identidades falsas não podem durar para sempre.
2012 ● Israel ● color ● digital ● 87 min. ● Ficção
Direção: RAMA BURSHTEIN
Shira, uma garota de 18 anos, é a filha caçula de sua família hassídica ortodoxa de Tel Aviv. Ela está prestes a se casar com um jovem da mesma idade. É um sonho que se tornou realidade, e Shira se sente preparada. Quando Esther, sua irmã de 28 anos, morre ao dar à luz a seu primeiro filho, a família adia o casamento de Shira. Tudo muda quando Yochay, marido da falecida Esther, tem um segundo casamento arranjado com uma viúva da Bélgica. A mãe das garotas descobre que Yochay pode deixar o país com seu único neto e propõe um casamento arranjado entre Shira e Yochay. Shira terá que escolher entre os seus sentimentos e o dever familiar.
Datas e locais
23/10 (terça) – 19:00 – The Square Open Granja Viana
24/10 (quarta) – 19:00 – Cinemark Eldorado
01/11 (quinta) – 16:45 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
♦
QUANDO VI VOCÊ / LAMMA SHOFTAK
2011 ● Palestina, Jordânia ● color & PB ● 35mm ● 94 min. ● Ficção
Direção: Annemarie Jacir
Na Jordânia, milhares de refugiados cruzam a fronteira com a Palestina. Após ter sido separado de seu pai no caos da guerra, o garoto Tarek e sua mãe Ghaydaa estão na última leva de refugiados que entraram no país. Levados para campos de refugiados temporários, eles esperam, como a geração anterior a eles, que chegou em 1948. Com dificuldades em se acostumar com a vida no campo e esperando reencontrar seu pai, Tarek procura uma saída.
Datas e locais:
19/10 (sexta) – 18:00 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta
20/10 (sábado) – 16:00 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta
25/10 (quinta) – 18:10 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
♦
SINFONIA DA PRIMAVERA / HABLLADA LA´AVIV HABOCH
2012 ● Israel ● color ● digital ● 105 min. ● Ficção
Direção: BENNI TORATI
Yosef Tawila é dono de uma cervejaria e sente falta de seus dias de glória como músico de um conjunto musical. Amram, filho de um velho amigo de Tawila, entra no lugar um dia e traz más notícias: seu pai está morrendo de câncer no pulmão. Ele entrega a Tawila as anotações de uma sinfonia. Ela nunca foi tocada por conta de um acidente de carro fatal que matou dois membros da banda, do qual Tawila foi declarado o responsável. Tawila entende que seu velho amigo deseja escutar a música que eles compuseram antes de morrer. Ele decide então reunir um grupo único de músicos para executar a sinfonia, para realizar o último desejo do seu amigo e talvez curar sua própria alma torturada.
Datas e locais
22/10 (segunda) – 18:20 – Livraria Cultura
01/11 (quinta) – 14:45 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
30/10 (terça) – 19:30 – Reserva Cultural
♦
SOLDIER/CITIZEN / SOLDIER/CITIZEN
2012 ● Israel ● color ● digital ● 70 min. ● Documentário
Direção: SILVINA LANDSMANN
Em suas últimas semanas de serviço militar, um grupo de soldados israelenses frequenta uma série de aulas patrocinadas pelo exército para aqueles que não terminaram o ensino médio. Parte do currículo inclui uma aula de estudos cívicos onde os alunos têm que debater assuntos relacionados aos direitos humanos e à democracia. Enquanto participam de debates intensos, eles revivem suas experiências militares na sala de aula, ilustrando como suas ideias políticas foram afetadas pela vida militar.
Datas e locais
22/10 (segunda) – 18:00 – Espaço Itaú de Cinema – Pompéia
23/10 (terça) – 15:40 – Reserva Cultural
24/10 (quarta) – 22:30 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
26/10 (sexta) – 16:00 – Matilha Cultural – Matilha Cultural
♦
UM LINDO VALE / EMEREK TIFERET
2011 ● França, Israel ● color ● digital ● 85 min. ● Ficção
Direção: HADAR FRIEDLICH
Hanna Mendelssohn, uma viúva de 80 anos, é um orgulhoso membro de um kibutz (comunidade agrícola judaica) que ajudou a criar. Ela acredita em valores como a igualdade social e a cooperação, que serviram de base para a fundação do kibutz. Sua vida muda quando o kibutz é privatizado e Hanna é obrigada a se aposentar. Depois de anos de devoção e trabalho duro, sua vida perde o sentido. Para completar, ela assiste à transformação do kibutz em um local em que todos pensam apenas no seu bem pessoal. Quando todas as suas esperanças se esvaziam, ela percebe que ainda existe amizade no kibutz e que, apesar das coisas terem mudado de forma definitiva, algo novo pode acontecer.
Datas e locais
19/10 (sexta) – 15:50 – Livraria Cultura
27/10 (sábado) – 14:00 – Reserva Cultural
31/10 (quarta) – 18:00 – Cinemateca
♦
Há ainda muitos outros filmes que valem uma visita ao cinema. Veja aqui a programação completa da Mostra.
Vale lembrar que, integrando a programação, no dia 29/10, das 14h às 18h, o cineasta israelense Amos Gitai dará o workshop Cinema e Arquitetura da Memória na FAAP. O workshop é gratuito e as inscrições estão abertas.
É assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão [para você]
Muitas vezes podemos observar que isso acontece ao abordarmos o conflito árabe-israelense. Aqueles que defendem o Estado de Israel costumam conhecer o povo palestino de acordo com uma história única, assim como aqueles que defendem o povo Palestino também costumam conhecer Israel segundo uma história única. Devemos procurar saber as outras histórias de ambos os povos, buscando um diálogo entre eles e chegando, assim, cada vez mais perto de uma resolução possível.
Créditos a Renata Zimbarg, que apresentou esse vídeo ao nosso grupo.
Nos dias 14, 21 e 28 de outubro, o historiador carioca Michel Gherman estará em São Paulo para ministrar o curso “O conflito e a formação das identidades israelenses e palestinas”, a convite do grupo Fórum 18.
O curso pretende fazer uma reflexão sobre a formação identitária de Palestinos e Israelenses durante o processo de construção de nacionalidades e identidades nacionais. A proposta é observar o conflito não somente pelos campos de batalha ou enfrentamentos sangrentos, mas pela produção cultural dos dois povos: a poesia, a música, a literatura, o cinema e as artes plásticas.
De acordo com o professor,
O Oriente Médio e o Sionismo não são temas fáceis. A gente vai tentar observar toda a complexidade do conflito e entender a sociedade israelense e a sociedade palestina a partir de elementos culturais, políticos, econômicos e sociais. Como é que a gente sai do conflito? Como é que a gente pode entender, pensar, refletir e ter novas posições sobre o que acontece hoje em Israel e no Oriente Médio? Venha!
Michel Gherman é Mestre em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, e atua como Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O curso será realizado na B’nai B’rith São Paulo e é destinado àqueles que ainda tem perguntas sobre o conflito israelo-palestino e desejam ampliar os conhecimentos sobre a complexidade do cenário, entendendo melhor as perspectivas de todos os envolvidos.
Inscrições realizadas até o dia 21/09 tem desconto especial: R$ 90,00 (universitários); R$ 150,00 (não universitários). Inscreva-se aqui.
“O conflito e a formação das identidades israelenses e palestinas”, com Michel Gherman
Dias 14, 21 e 28 de outubro, das 16h às 19h
B’nai B’rith. Rua Caçapava, 105 – Jardins.
R$ 90,00 (universitários); R$ 150,00 (não universitários) – inscrições realizadas até o dia 21/09
R$ 150 (universitários); R$ 250 (não universitários) – inscrições realizadas após o dia 21/09
Vagas limitadas.
O filme Noite e Neblina (Nuit et brouillard), feito no ano 1955, partiu de uma encomenda do Comitê Histórico da Segunda Guerra Mundial a Alain Resnais. Ele aceitou dirigir o filme apenas quando o escritor francês Jean Cayrol passou a colaborar para o projeto. Resnais pensava que apenas alguém com a experiência de ter passado por um campo de concentração poderia dar conta de semelhante trabalho, e Cayrol foi um sobrevivente do campo de Mauthausen.
Cayrol participou da resistência francesa no período de ocupação nazista na França, foi preso e mandado a Mauthausen. Ele escreveu sobre sua experiência no campo, no ano de 1946, em um livro chamado Poèmes de la nuit et brouillard, título que viria a inspirar o nome do filme. Jean Cayrol foi o responsável pelo texto de Noite e Neblina.
A música do filme ficou a cargo de Hanns Eisler, judeu alemão, músico, que fugiu da Alemanha no ano de 1933.
Noite e Neblina tem apenas 31 minutos de duração. Ele não se propõe a ser um guia compreensivo do Holocausto. Phillip Lopate (2003), em um ensaio sobre o filme, defende que se trata de um anti-documentário, pois não seria possível “documentar” esse tipo de realidade. Nesse sentido, o filme rejeitaria as presunções de neutralidade objetiva do tradicional documentário. Ele seria antes um esforço de análise e compreensão do que ocorreu.
O filme alterna imagens coloridas com imagens em preto e branco. As coloridas representariam o presente, em que a câmera encontra diferentes campos de concentração (que não são identificados) dez anos após o Holocausto. Elas contrastam com as imagens em preto e branco, que consistem em fotos e filmes, retirados de arquivos, relativos ao período em que o horror nazista estava sendo perpetrado.
Imagem de “Noite e Neblina”
Quando Noite e Neblina estava pronto, houve grande dificuldade de fazê-lo passar pela censura francesa. Os censores haviam implicado com imagens que mostram policiais franceses que trabalhavam em um campo na França administrada pelo governo Vichy, que servia de local intermediário para pessoas que foram deportadas para os campos de extermínio. Eles não queriam que fosse mostrado o lado colaboracionista da França durante a Segunda Guerra Mundial. Resnais recusou-se a cortar as imagens e, quando recebeu a ameaça de que tirariam os últimos dez minutos de seu filme, aceitou cobrir os chapéus dos policiais, de modo que eles não fossem identificados como franceses.
Outra polêmica, relacionada à censura, aconteceu no Festival de Cannes, para o qual o filme foi selecionado. Oficiais da embaixada alemã ocidental na França exigiam que o filme fosse retirado da seleção de filmes do festival. Apesar de protestos, Noite e Neblina foi substituído na última hora por outro documentário. Após muita discussão, o filme foi exibido fora da competição.
Noite e Neblina ganhou o Prix Jean Vigo, que é um prêmio francês para jovens cineastas. O filme teve uma recepção muito positiva na França e chegou a ser selecionado pelo Festival de Berlin para uma sessão oficial, no mesmo ano.
Objetivos do trabalho
Neste trabalho procuro fazer uma reflexão sobre o filme Noite e Neblina a partir do tema da representação do Holocausto nas artes. Para isso, uso como referência principal o artigo de Reuven Faingold chamado O Holocausto nas artes: os limites da representação (2009) e o texto escrito por Jean Cayrol, que é falado durante o filme. Para o texto de Jean Cayrol, foram utilizadas tanto a legenda em inglês de uma nova edição do filme (Resnais; 2003), que faz parte da “The criterion collection”, quanto uma tradução feita por Juan Hernandez, disponível em http://cinemaholocausto.wordpress.com/tag/jean-cayrol .
Como procuro demonstrar adiante, a questão dos limites da representação permeia o filme, assim como as implicações éticas de se abordar o tema do Holocausto. Isso aparece não apenas no texto de Jean Cayrol, mas também pelas opções técnicas do filme utilizadas por Alain Resnais.
Escolhi algumas cenas do filme que me pareceram pertinentes, a fim de desenvolver a reflexão acerca da representação do Holocausto nas artes. Não tenho a pretensão de fazer uma análise do filme como um todo.
Primeira cena – início do filme
Noite e Neblina abre com uma imagem de uma paisagem tranqüila, com uma música calma de fundo e com uma voz suave do narrador. Esta voz diz: “Inclusive uma paisagem tranqüila, Inclusive uma pradaria (…), Inclusive uma estrada por onde passam carros, camponeses (…), pode conduzir simplesmente a um campo de concentração” (Cayrol, 1955).
O primeiro elemento estranho àquela paisagem bucólica, e que mostra realmente de qual local se trata, é uma cerca com arame. São citados, então, nomes de inúmeros campos de concentração e as filmagens mostram, imagens de dentro do campo, suas construções. A câmera passa a se mover mais depressa, a voz do narrador torna-se mais intensa e mais ansiosa: “The blood has dried, the tongues have fallen silent” (Resnais; 2003).
Aparentemente há uma quebra nesse ponto. As imagens passam uma idéia de que a câmera está sozinha no campo, que não há mais ninguém além dela. Sensação de silêncio.
O filme se inicia com um distanciamento intencional em relação ao tema que vai abordar. O movimento de distanciamento e aproximação vai acompanhar o filme todo, ficando claramente distinguível pelo uso das imagens coloridas – que representam o presente, distante – e pelo uso das imagens em preto e branco – que representam o passado, o horror de perto.
A idéia de que até em uma paisagem tranqüila e bonita pode se encontrar um campo de concentração carrega uma espécie de alerta. E com isso o filme faz a transição daquele aparente distanciamento para aproximar-se do tema que ele vai abordar.
Fundamental, entretanto, para se abordar o tema, é o silêncio: pois não há palavras para representar o horror do que aconteceu. O silêncio expressa a impossibilidade de comunicar a experiência do Holocausto a todos àqueles que não a viveram (Faingold; 2009). O tema do filme se refere, portanto, a algo que é incomunicável, mas que deve ser comunicado.
Por conta dessa necessidade de se comunicar, Noite e Neblina alerta em relação ao perigo de outro tipo de silêncio: aquele que acompanhou, em grande parte, o Holocausto e que também prosseguiu, de certa forma, no período pós-guerra; não se queria falar sobre isso e não se podia falar sobre isso.
Em busca de quê?
Após aquela primeira cena do campo de concentração, são mostradas imagens em preto e branco que se referem ao regime nazista: um discurso de Hitler, um desfile do exército nazista. Ao mesmo tempo em que aconteciam aquelas coisas, campos de concentração estavam sendo construídos. Quem os construía? – se questiona a voz do narrador.
Por meio de fotos e de alguns filmes do período, são mostradas imagens das deportações. O filme procura resumidamente, por meio desses documentos, contar o que aconteceu. Não propriamente de modo objetivo, pois a voz do narrador transmite ironia quando fala das pessoas que participaram da construção do campo; transmite angústia quando fala dos trens em que as pessoas embarcavam e das terríveis condições de viagem. Essa parte em preto e branco termina com as imagens de um trem chegando na “noite e neblina”.
As cenas tornam-se coloridas novamente: são imagens do campo de concentração no presente. O narrador diz: “Hoje, sobre o mesmo caminho, é dia e brilha o sol. O percorremos lentamente, em busca de quê?” (Cayrol; 1955).
É possível observar mais uma vez o contraste entre os momentos: a luz do dia do presente, com a noite e neblina do passado; a aproximação e subitamente o distanciamento.
Lopate (2003) chama a atenção que há uma busca de uma conexão entre local – os campos em que estavam feitas as filmagens, dez anos depois – e história; entre arquitetura e morte. A câmera parece encontrar nos campos apenas uma paisagem, uma arquitetura, mas sua busca é atingir o que está por trás de tudo aquilo, o que se esconde na história daquele local.
Para além de uma mera dificuldade de uma representação objetiva de um fato histórico, uma das especificidades na representação do Holocausto, como aponta Faingold (2009), é a extrema dificuldade na correlação entre esse fato histórico singular e sua expressão diante do terror e da angústia. Segundo o autor, “os limites da representação do Holocausto são, também, os limites da memória do horror”.
Quando as cenas em preto e branco voltam, são apresentadas imagens de dentro do campo de concentração. A voz do narrador diz: “Primeiro olhar sobre o campo” e, simultaneamente, aparece a imagem de um rosto – possivelmente algum prisioneiro – com uma feição extremamente assustada.
O horror expressado no rosto anuncia as imagens que estão por vir, que buscam retratar as pessoas no campo de concentração.
Limites da representação
Outra cena da filmagem em cores, em que está sendo retratado o alojamento, as camas, de um campo de concentração, o narrador questiona: “What hope do we have of truly capturing this reality? (…) No description, no image can reveal their true dimension: endless, uninterrupted fear”. E, depois, parece concluir: “We can but show you the outer shell, the surface” (Resnais; 2003).
O texto, escrito por Jean Cayrol, expressa constantemente a limitação da própria obra. Apesar de uma busca por capturar a realidade dos campos de concentração, as imagens mostram apenas a superfície. A dimensão verdadeira de quem realmente viveu aquilo não é representável por nenhuma imagem.
Faingold (2009) aponta que o debate em torno da (im)possibilidade de representação do Holocausto faz parte da própria memória do Holocausto. O paradoxo consiste que há um dever ético de se lembrar o que aconteceu, e ao mesmo tempo há uma impossibilidade de representá-lo. Outra questão importante é que não haveria um elo entre a representação do Holocausto e a experiência do Holocausto. Existe aí um abismo que não deve ser atravessado.
Educação para que Auschwitz não se repita
Lopate (2003) aponta que Noite e Neblina tem um uma grande importância como filme anti-guerra e anti-violência. Seria apenas recordando, olhando para trás de forma reflexiva, buscando compreender o desastre que aconteceu, que seria possível prevenir atrocidades semelhantes.
Isso fica bastante explícito na última fala do narrador do filme, que acontece após cenas dos julgamentos de nazistas em que eles diziam que não eram os responsáveis:
Who among us keeps watch from this strange watchtower to warn of the arrival of our new executioners? Are their faces really different from our own? (…) We pretend to take hope again as the image recedes into the past, as if we were cured once and for all of the scourge of the camps. We pretend it all happened only once at a given time and place. We turn a blind eye to what surround us and a deaf ear to humanity’s never-ending cry (Resnais; 1955).
Uma preocupação que parece estar presente aí, seguindo a linha de Adorno (1986), é de uma educação para que Auschwitz não se repita. Foram pessoas como nós os carrascos e foram pessoas como nós as vítimas. Isso aconteceu uma vez e pode, caso não dermos a devida atenção ao que se passou, se repetir mais uma vez.
É interessante destacar, porém, que o filme em nenhum momento identifica quais os campos de concentração que estão sendo filmados, nem quem são as pessoas que aparecem nas imagens. Não há menção ao anti-semitismo imbricado na ideologia nazista, e nem que a maioria das vítimas era composta por judeus. Noite e Neblina transmite uma espécie de universalização da experiência das vítimas e da identidade dos perpetradores. Isso o levou a ser criticado, por exemplo, pelo cineasta brasileiro-israelense David Perlov, que chama a atenção que a universalização seria uma forma de diluir o que aconteceu. O Holocausto tem uma marca judaica que não pode ser ignorada.
Referências
ADORNO, T. A educação após Aushwitz. In: Gabriel Cohn (org): Theodor Adorno- Sociologia. São Paulo: Ática, 1986.
FAINGOLD, R. Holocausto nas artes: os limites da representação. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG – Volume 1, n.5 – outubro, 2009.
LOPATE, P. Night and fog. In: RESNAIS, A. (1955) Night na Fog. [filme – curta-metragem] – “Special Features”. U.S.A., Argos Films, “The Criterion Collection”, 2003. DVD, 31 min. Color and Black and White.
RESNAIS, A. (1955) Night na Fog. [filme – curta-metragem] Direção de Alain Resnais, texto de Jean Cayrol. U.S.A., Argos Films, “The Criterion Collection”, 2003. DVD, 31 min. Color and Black & White.
Esse trabalho foi originalmente escrito como parte da avaliação da disciplina de graduação “Cultura do povo judeu nos tempos modernos I” ministrada em 2011 pela professora Marta Topel na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
É tempo de eleições municipais. Como não poderia deixar de ser, debates acalorados envolvendo candidatos, partidos e suas propostas intensificaram-se nos últimos dias. A comunidade judaica não fica de fora e, além de organizar encontros com os principais aspirantes aos cargos de prefeito e vereador em diversas cidades do país, organiza-se para apresentar suas próprias reivindicações àqueles que almejam o cargo de representantes do povo. Além de questões ligadas especificamente à cidade em que habitam, temas como antissemitismo, Estado de Israel e sionismo costumam influenciar a atitude de grande parte dos judeus na hora de definir o voto. Isso é particularmente perceptível no atual cenário político e eleitoral carioca.
O Rio de Janeiro vive um momento especial. Embora eu seja paulista, pude perceber o entusiasmo de muitos amigos cariocas, especialmente os jovens, como há muito não se via durante uma eleição. São pessoas que fazem campanhas nas ruas e nas redes sociais, adotando, inclusive o sobrenome de seu candidato em seus próprios nomes nas contas do Facebook e do Twitter. O motivo de tal entusiasmo? Marcelo Freixo, candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSOL.
Quem é Marcelo Freixo?
Marcelo Freixo, 45, é professor de história, conhecido por seu trabalho na área de direitos humanos. Filiado ao PT até 2005, Freixo seguiu o caminho de outros dissidentes e, em setembro daquele ano, passou a integrar o PSOL. Nas eleições municipais de 2006, foi eleito deputado estadual do Rio de Janeiro com 13.547 votos – o último na lista dos deputados eleitos. Mas foi o filme Tropa de Elite 2 que tornou Freixo nacionalmente conhecido: a CPI das Milícias, presidida por ele, serviu de base para a criação do roteiro do filme, cujo personagem Diogo Fraga foi inspirado em sua vida:
Com a popularidade em alta, Marcelo Freixo recebeu 177.253 votos nas eleições de 2010, tendo sido o segundo deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro.
Para 2012, Freixo tem aspirações menos modestas: tornar-se prefeito do Rio de Janeiro.
Contando com o apoio de personalidades como Chico Buarque, Caetano Veloso, Wagner Moura, Luiz Eduardo Soares e Frei Betto, e tendo o fundador, ex-líder, baterista e principal letrista do grupo O Rappa, Marcelo Yuka, como vice, Freixo tem chances reais de levar a eleição carioca para o segundo turno, embora ainda esteja longe de ameaçar o candidato à reeleição Eduardo Paes (PMDB).
Na última pesquisa Datafolha, divulgada em 28/09, Eduardo Paes, candidato à reeleição, aparece com 53% das intenções de voto (ante 54% na pesquisa anterior). Freixo é o segundo colocado, com 13% (ante 10% na pesquisa anterior). Embora a distância entre os candidatos ainda seja grande, verifica-se certa tendência de crescimento das intenções de voto em Marcelo Freixo e queda nas intenções de voto em Eduardo Paes. Isso pode ser verificado principalmente entre os mais ricos e os mais escolarizados. Entre os eleitores com renda mensal acima de dez salários mínimos (8% do eleitorado), Paes e Freixo estão empatados com 40% das intenções de voto. Entre aqueles que tem ensino superior, Paes e Freixo tem 36% e 34%, respectivamente.
A queima da bandeira
Fosse de qualquer outro partido, Freixo contaria com os votos de grande parte da comunidade judaica carioca. Mas Freixo é do PSOL. E quando o assunto é Estado de Israel e o sionismo, referências fundamentais para a identidade judaica atual, certos posicionamentos adotados pelo partido e/ou filiados costumam causar preocupação.
Desde o dia 17/08, data de sua publicação no Youtube, um vídeo de 2009 retratando uma manifestação nas ruas do Rio de Janeiro em meio ao conflito entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza tornou-se assunto do debate eleitoral. Causou polêmica o fato de manifestantes queimarem uma bandeira do Estado de Israel. Entre eles, João Batista Oliveira de Araújo, o Babá, um dos fundadores do PSOL e atual candidato a vereador da cidade do Rio de Janeiro.
O que Marcelo Freixo teria a dizer a respeito? O candidato à prefeitura do Rio concordaria com tal atitude? Qual a posição oficial do PSOL em relação ao Estado de Israel?
Estas foram algumas das questões mais recorrentes nos fóruns da comunidade judaica nas últimas semanas, especialmente nos fóruns de esquerda, para quem Marcelo Freixo era o candidato a ser apoiado, e o assunto alastrou-se pelas redes sociais.
Num primeiro momento, surgiram inúmeras imagens sinalizando o apoio de Marcelo Freixo à candidatura de Babá:
Tais imagens, entretanto, não significavam muita coisa.
Num texto esclarecedor, Vitor Rawet, jovem judeu militante do PSOL, buscou apresentar o posicionamento do partido em relação ao Estado de Israel:
Não existe nenhuma decisão ou resolução partidária no PSOL que emite opinião sobre o conflito (ao contrário do PSTU, que acha que o estado de Israel é um enclave do imperialismo na região, e acha que este não deveria existir). O PSOL é uma partido com contradições, diferentes correntes e opiniões. O Babá faz parte da ala mais a esquerda e radical do partido. A imensa maioria não chegaria nem perto de queimar uma bandeira de Israel. O Marcelo Freixo já declarou que apóia a solução de dois povos e dois estados.
A resposta de Marcelo Freixo
No dia 25/08, Freixo foi participou de um debate na Associação Scholem Aleichem (ASA) com dezenas de jovens da comunidade judaica.
Na ocasião, Freixo, que ainda não tinha conhecimento do vídeo, quando questionado sobre o assunto, afirmou:
É uma atitude imatura, é uma atitude agressiva a um país [incompreensível] não tem o direito de fazer [incompreensível] você não viveu, não é sua, então eu acho que essa é uma agressão inaceitável. Você está perdendo aliados em uma atitude como essa. [incompreensível]. Mas eu acho que o partido tem que amadurecer esse debate, eu acho que é um compromisso que a gente tem que trabalhar juntos, são muitos os garotos aqui que estão filiados ao PSOL hoje, e acho que a gente tem um dever de fazer um debate pedagógico dentro do PSOL para uma convenção da esquerda que amplie, que vá além do PSOL, que já vá para os movimentos sociais em todo o país, nos partidos sobre esse tema no Rio de Janeiro. Eu acho que aqui no Rio a gente tem um cenário que é mais favorável até do que em muitos outras cidades. Provavelmente aqui é onde mais se avançou nessa militância da juventude judaica num partido de esquerda. Então eu acho que aqui a gente tem que dar esse passo para servir de exemplo nacional.
O candidato a vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL Renato Cinco, também presente no evento, emendou:
Eu acho que o Marcelo já respondeu bem a questão. Eu só queria falar rapidamente o seguinte. Eu acho que o principal do Babá nessa história é passar a mensagem errada. Quando você queima a bandeira de Israel, você passa a mensagem de que a solução do conflito no Oriente Médio passa pela derrota de um dos lados, pela destruição de um dos lados. Eu acho que, ao contrário, o que a gente deve estimular enquanto esquerda brasileira, o nosso papel em solidariedade tanto ao povo de Israel como ao povo palestino, deve ser contribuir para o diálogo. Eu acho que a saída para os problemas do Oriente Médio só existe através do diálogo, e a gente deve mandar mensagens que contribuam para que os dois lados possam dialogar. Eu acho que esse é o papel que a gente deve cumprir.
As falas podem ser conferidas no vídeo abaixo:
Aos poucos, o assunto foi ultrapassando as fronteiras da comunidade judaica.
Em seu Twitter pessoal, Freixo respondeu a diversos questionamentos de internautas:
Com pouco tempo de televisão (o PSOL optou por não fazer coligações no primeiro turno das eleições), Freixo costuma convidar internautas para um bate-papo virtual logo após o horário eleitoral.
No dia 27/08, um internauta questionou:
“Boa noite, Freixo. Queria saber o que você tem a dizer sobre o vídeo do Babá”.
A resposta foi contundente:
Olha, eu tive um debate essa semana… obrigado pela pergunta, Bruno. Eu tive um debate essa semana lá no ASA, em Botafogo, organizado pela juventude judaica e tinham, aproximadamente, 170 jovens. E foi excelente o debate, nós fizemos um amplo debate sobre o Rio de Janeiro. E, nesse debate, esse assunto de um vídeo que eu nem conhecia, eu nem sabia… é um vídeo, enfim, que mostra um candidato a vereador do PSOL queimando uma bandeira de Israel – só para quem não sabe do que se trata o vídeo, eu estou aqui explicando –, mostra um candidato que é candidato, hoje, a vereador, que é, enfim, um excelente candidato, combativo, mas que teve uma atitude, que ele queima, em um ato em defesa do Estado da Palestina, ele queima a bandeira de Israel. Eu quero dizer o seguinte: eu sou amplamente favorável ao Estado Palestino, eu sou amplamente favorável à luta do povo palestino, mas isso não significa que eu seja contra a existência do Estado Judeu, o Estado de Israel, isso é um absurdo. Uma coisa não leva a outra. São dois povos, são dois estados. Eu acho que a queima de uma bandeira é algo que não deve se fazer, por mais que eu não concorde com as posições do governo de Israel que, aliás, diga-se de passagem, vários judeus também não concordam. Existe todo um pensamento crítico sobre as posições do governo de Israel em relação à Palestina e em relação a outros temas. Então, aqui no Rio de Janeiro, nós temos uma quantidade enorme de jovens que são judeus, que são organizados, que tem um trabalho social belíssimo, que eu conheci e passei a ser um profundo admirador, e que estão na campanha, tem uma posição de esquerda, querem um Rio de Janeiro muito mais justo, e que não concordam também com várias posições do governo de Israel. Eu quero que eles estejam juntos comigo. Então, a atitude de queimar a bandeira de um país, é uma atitude em que você afasta quem pode ser um aliado seu, porque não reconhece que, dentro desses países, também existe disputa. Enfim, eu tenho muito carinho pelo Babá, pelo nosso candidato, é uma pessoa que tem uma história de luta, mas essa atitude é uma atitude que eu não concordo, que eu tenho divergência, essa não é uma atitude partidária, é uma atitude dele. Cabe a ele repensar isso ou não, mas eu, particularmente, não concordo, não é a posição do meu partido, a minha posição está muito clara, e eu quero essa esquerda da juventude judaica e todas as pessoas que tem esse pensamento crítico construindo um Rio de Janeiro mais justo para todos.
A fala pode ser conferida no vídeo abaixo, aos 22:55
No Twitter, Freixo continuava a responder dúvidas dos eleitores, explicando seu posicionamento sobre o assunto:
A resposta de Babá
Os esclarecimentos de Freixo agradaram e a polêmica parecia aproximar-se do fim.
Foi quando Babá entrou na discussão, publicando um texto e um vídeo em seu blog, onde qualifica a queima de bandeiras como “um ato simbólico” e acusa o debate como fruto de uma “campanha difamatória desencadeada pela direita sionista contra o PSOL”.
O que Babá não sabia, porém, é que era justamente nos fóruns da esquerda judaica, para quem a candidatura de Marcelo Freixo representa a melhor alternativa para a cidade do Rio de Janeiro, em que a conversa se desenrolava.
O vídeo-resposta de Babá pode ser conferido abaixo:
O posicionamento do PSOL
Entre as opiniões de Marcelo Freixo e as de Babá, qual seria o posicionamento oficial do PSOL em relação às políticas e à natureza do Estado de Israel?
O programa do PSOL e a resolução sobre conjuntura internacional publicada pelo partido trazem, cada uma, uma única referência a Israel.
São tempos de agressão militar indiscriminada do imperialismo. Os EUA se destacam como país agressor, que agora chefia a ocupação do Iraque, intervém na Colômbia, no Haiti, promove tentativas de golpes na Venezuela e apóia o terrorismo de Estado, de Israel contra os palestinos. A retomada do internacionalismo é objetivo do novo partido. Para além do nosso continente, temos que empenhar todo o esforço no apoio ao movimento anti-globalização, com seus fóruns sociais e suas mobilizações de massas iniciadas a partir de Seattle.
Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que Israel segue cumprindo o papel de centro articulador dos interesses imperialistas no Oriente Médio. Em troca, segue recebendo o apoio dos EUA e da União Europeia à ocupação da Palestina. São comprovadas as denúncias feitas por inspeção coordenada pelo ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, quanto à existência do único arsenal militar nuclear na região, localizado naquele país. Esta denúncia se reforçou recentemente, com o artigo de capa da insuspeita Der Spiegel, mais importante revista alemã, quanto ao fato de Alemanha vira fornecendo submarinos com possibilidade de portar e disparar armamento nuclear. Mesmo assim, os avanços na unidade das forças de resistência palestinas têm feito avançar sua causa de libertação, conquistando o reconhecimento do Estado Palestino na Unesco e de diversos países membros das Nações Unidas.
Não fica claro se há e quais são as posições oficiais do partido em relação a pontos-chave do conflito entre Israel e os palestinos. Entretanto, nota-se uma certa visão preguiçosa e maniqueísta do problema. Os atores envolvidos são considerados poderes opostos e incompatíveis, e com isso, o “bem” e o “mau” são concebidos em termos absolutos e dão margem a concepções plenas de opressor x oprimido.
A pobreza da leitura está não apenas na percepção dualista do conflito (como se este tivesse apenas dois lados), mas, principalmente, na homogeneização de sociedades plurais e diversas.
Considerações finais
Em meio aos acontecimentos das últimas semanas, alguns pontos parecem absolutamente claros:
Em primeiro lugar, pode-se afirmar que o vídeo em que Babá aparece queimando um bandeira de Israel, de 2009, foi recuperado em 17 de agosto de 2012 por interesses eleitorais.
Entretanto, diferentemente do que afirma Babá, a preocupação da comunidade judaica carioca com os acontecimentos nada tem a ver com uma “campanha difamatória desencadeada pela direita sionista contra o PSOL”. A discussão é legítima e ocorreu principalmente nos fóruns da esquerda judaica, para quem a candidatura de Marcelo Freixo representa a melhor alternativa para a cidade do Rio de Janeiro.
Pode-se afirmar ainda que Marcelo Freixo é contra a ação de Babá, como manifestou publicamente inúmeras vezes.
Já em relação ao PSOL, a impressão que fica é a de que o partido está dividido internamente e não há consenso sobre posicionamentos em relação a pontos-chave do conflito entre Israel e os palestinos.
Para concluir, resta dizer que aprofundar o debate sobre o Estado de Israel e o conflito com os palestinos no PSOL, em outros partidos da esquerda brasileira e nos próprios movimentos sociais do país é uma necessidade urgente. Sem dúvida, tal debate poderá contar com todo o apoio da comunidade judaica.
.
Agradecimentos
O post não teria sido possível sem a valiosa contribuição dos colegas virtuais do grupo Tarbut – Cultura, que compartilharam textos, vídeos e informações nos últimos dias:
Andre Rozenbaum, Arnon Segal Hochman, Beni Gelhorn, Dafne Rozencwaig Souza, Daniel Dahis, Daniel Rousseau Berger, Eduardo Kives, Eduardo Rawet, Erick Abenbahen, Fabio Aboulafia, Felipe Abramovitch, Felipe Marcel, Eduardo Tolmasquim, Fernanda Lahtermaher, Filipe Pechsicott Carvalho Lopes, Guilherme Engelender, Gustavo Guerchon, Gustavo Oren, Guta Tolmasquim, Leonardo Bueno, Michel Ehrlich, Miguel Zugman, Moises Zugman, Paulo Koatz Miragaya, Rafael Barbalat, Rafael Stern, Rony Szuster, Thales Abram, Vitinho e Vitor Rawet.
Não é de hoje que os jovens interessados pelos conflitos no Oriente Médio gostam de discutir a problemática árabe-israelense. De ultra sionistas a marxistas, dos direitistas aos esquerdistas, dançarinos e militantes de movimentos juvenis, todos querem dar seu pitaco no assunto. As questões geralmente giram em torno de dilemas como a legitimidade da criação de um Estado Palestino, autodefesa israelense e, principalmente, o suposto ataque midiático a Israel. A par dessa realidade está a organização B’nai B’rith, que nos dia 4 de setembro de 2011 ofereceu a jovens de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre uma oportunidade única de discutir esses assuntos. Sem enrolação. Sem frescura. Sem nenhum contexto cor-de-rosa.
O seminário Narrativas em Jogo, realizado em São Paulo, contou com a participação de mais de 30 jovens dispostos a escutar especialistas no assunto e pessoas diretamente envolvidas no tema. Como afirmou Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith Brasil, nós só poderemos entender e ajudar Israel a ser um país melhor se analisarmos seus erros e acertos de maneira crítica.
Quando se fala de pessoas diretamente envolvidas no conflito, estamos acostumados a escutar o lado judeu: a ação frequente dos terroristas, os kassamim jogados dia após dia contra os civis, o medo de ter um filho sequestrado. Entretanto, poucas vezes se tem a oportunidade de escutar o outro lado. Não uma versão diferente dos mesmos fatos, mas fatos diferentes que, se colocados com tudo que já sabemos, constituem uma única história. Que precisa e quer ser contada. Assim, pela primeira vez em um seminário voltado a jovens judeus, dois refugiados palestinos deram seu relato de vida.
Huda e Walid em seminário na B’nai Brith, em São Paulo
Relatos
Walid Altamami e Huda Al Bandar vivem em Mogi das Cruzes (SP) há quatro anos, falam português, mas utilizaram a ajuda da tradução feita por Paulo Farah, professor da USP e palestrante do evento. Não por ser incompreensível o que diziam, mas por uma postura da equipe de organização do seminário que considerava interessante o casal poder se expressar livremente em sua língua. Huda conta que após a Guerra dos Seis Dias (1967), a família migrou para a Jordânia. Logo, veio a Guerra de Yom Kippur, em 1973, e tiveram que fugir para o Iraque. Entretanto, após a invasão americana ao país, em 2003, a família viu-se encurralada no meio de conflitos. Viveram mais quatro anos entre a fronteira da Jordânia com o Iraque até receberem apoio da ONU, que os enviou ao Brasil. Entretanto, Walid afirma que o processo de estabelecimento no país não foi nada fácil. “A ONU prometeu muitas coisas, mas não vi nada”.
Ele diz que não há relação direta dos refugiados com o governo brasileiro, e que até dois anos atrás não tinham documentos nem contato com a Polícia Federal. Além disso, não receberam qualquer suporte para aprender a língua ou conseguir emprego. Hoje, Walid sente-se vivendo em “um exílio dentro de um exílio”, pois o trabalho que arranjou é no Mato Grosso – longe da família. Mesmo assim, se diz contente com a recepção do povo brasileiro. “Onde eu moro não há divisões, temos liberdade de expressão e opinião”. Mas alfineta: “essa liberdade de expressão fizemos por nós mesmos, porque o governo não fez nada”.
Walid afirma que sua família, ao se ver obrigada a sair da região onde morava na Palestina, perdeu suas terras e propriedades. “Quando uma pessoa perde tudo que tem, também perde sua humanidade”, diz. Huda explica sua situação de maneira tragicômica. “Quando me perguntam de onde venho, digo: do Iraque, do Líbano, da Palestina”. O casal tem clara em sua concepção que o conflito não é religioso. Walid acredita que quem diz isso não sabe o que se passa nas fronteiras. “Somos todos humanos, somos todos um só”, declara, destacando que o maior problema é o extremismo. “Sei que dos dois lados há esse tipo de atitude. Rejeito qualquer tipo de extremismo”.
O casal critica as ações do governo de Israel e deixa explícito seu anseio por um dia poder viver na Palestina, que diz ser seu lugar de direito. “A Palestina é nosso país e não podemos esquecer isso. Sou refugiado porque minha avó é refugiada, minha mãe é refugiada e meus filhos são refugiados”, lamenta Huda. Eles acreditam que se os dois lados fizerem concessões será possível ter dois Estados.
Apesar das críticas, Walid deixa a mensagem de que há milhões de muçulmanos que gostam e respeitam todas as religiões, assim como ele é ciente de que muitos judeus respeitam os palestinos. “Por isso me propus a vir aqui hoje. Não faço distinção alguma entre judeus e palestinos”, assegura.
Se a construção da memória for mútua, o caminho para a compreensão e empatia se tornará um atalho para uma, quem sabe, sonhada coexistência.