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Produções israelenses e palestinas na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Atenção cinéfilos! De 16 a 29 de outubro, acontece em São Paulo a tradicional Mostra Internacional de Cinema. Em sua 38º edição, serão exibidos 330 títulos de diversos países e variados gêneros, ocupando 35 salas de 29 espaços, entre cinemas, espaços culturais e museus de diversas regiões da cidade de São Paulo.

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Conforme anunciado pela organização do evento, “a seleção deste ano faz um apanhado do que o cinema contemporâneo mundial está produzindo, além das principais tendências, temáticas, narrativas e estéticas produzidas em todo o mundo”. Em 2014, a mostra está dividida em cinco seções: Competição Novos Diretores, Perspectiva Internacional, Retrospectivas, Apresentações Especiais e Mostra Brasil.

Dentre os filmes presentes na programação, há produções israelenses e palestinas. Confira!

A PROFESSORA DO JARDIM DE INFÂNCIA / HAGANENET

2014 ● Israel, França ● color ● digital ● 119 min. ● Ficção
Direção: Nadav Lapid

Nira é professora do jardim de infância em Tel Aviv há 15 anos. Quando um de seus alunos, Yoav, recita um surpreendente poema sobre amor não correspondido, Nira pergunta para a babá do menino de onde vem os versos. Ela descobre que Yoav é um menino prodígio que consegue improvisar versos e decide utilizar a poesia dele como se fosse sua própria criação, com a ambição de se tornar poeta. Mas sua paixão pelo talento de Yoav torna-se uma obsessão, com consequências perigosas.

Datas e locais
18/10 (sábado) – 18:45 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
19/10 (domingo) – 15:45 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta 1
23/10 (quinta) – 21:30 – Cine Sabesp
24/10 (sexta) – 16:00 – Reserva Cultural 1
28/10 (terça) – 19:10 – CineSesc

DANCING ARABS / DANCING ARABS

2014 ● Israel ● color ● digital ● 105 min. ● Ficção
Direção: Eran Riklis

Israel, início dos anos 90. Eyad, um menino de origem palestino-israelense, é aceito numa prestigiosa escola judaica em Jerusalém. Ele se depara com problemas de idioma, cultura e identidade – e tenta sobreviver e encontrar o seu próprio caminho num lugar onde a guerra está sempre presente. Eyad se torna amigo de Yonatan, um menino com distrofia muscular, e se apaixona por uma garota judia, Naomi. Ele percebe que para ser aceito como um igual, dissipar os preconceitos, poder trabalhar e amar, terá que fazer sacrifícios pessoais.

Datas e locais
23/10 (quinta) – 22:15 – Reserva Cultural 1
24/10 (sexta) – 21:00 – Cinemark – Metrô Santa Cruz – Sala 9
25/10 (sabado) – 19:50 – Cine Caixa Belas Artes – Sala SPCine

FALANDO COM DEUSES / WORDS WITH GODS

2014 ● México, Brasil, Espanha, Israel, Sérvia, Índia, Japão, Austrália, Turquia ● color ● digital ● 135 min. ● Ficção
Direção: Guillermo Arriaga, Hector Babenco, Álex De La Iglesia, Amos Gitai, Bahman Ghobadi, Emir Kusturica, Mira Nair, Warwick Thornton

O longa coletivo explora a relação entre diferentes culturas e religiões. Espiritualidade aborígene, catolicismo, islamismo, judaísmo, budismo e xintoísmo, cristianismo ortodoxo, umbanda, hinduísmo, assim como o ateísmo encontram expressão no filme. Baseado numa ideia de Guillermo Arriaga e com os episódios organizados por Mario Vargas Llosa, o filme apresenta diferentes perspectivas sobre a religiosidade, um fenômeno especificamente humano.

Datas e locais
22/10 (quarta) – 21:20 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
24/10 (sexta) – 19:00 – FAAP
25/10 (sabado) – 18:20 – Reserva Cultural 1
26/10 (domingo) – 15:00 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2
27/10 (segunda) – 18:30 – Cine Sabesp

GIRAFFADA / GIRAFFADA

2013 ● França, Palestina ● color ● digital ● 85 min. ● Ficção
Direção: Rani Massalha

Ziad, um menino de dez anos que vive na Cisjordânia, é tão fascinado por duas girafas do zoológico de Qalqilya que pode até se comunicar com elas. Ele gosta de ajudar seu pai, o veterinário Yacine, que ficou viúvo e trabalha duro para proteger o zoológico como um refúgio para as crianças locais. Quando uma das amadas girafas de Ziad sofre as consequências de um ataque aéreo, Yacine faz de tudo para conseguir trazer outra girafa de Israel. Inspirado numa história real.

Datas e locais
16/10 (quarta) – 20:00 – Sesc Campo Limpo
20/10 (segunda) – 14:00 – Cine Livraria Cultura 1
26/10 (domingo) – 14:00 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta Anexo
26/10 (domingo) – 14:00 – Cine Livraria Cultura 1

MOTIVAÇÃO ZERO / ZERO MOTIVATION

2014 ● Israel, França ● color ● digital ● 100 min. ● Ficção
Direção: Talya Lavie

Zohar e Daffi são melhores amigas. Elas trabalham no escritório de administração de uma base militar no sul de Israel. Passam o tempo todo juntas, compartilhando seus segredos, refeições, e a paixão por jogos de computador. Daffi odeia o lugar e faz de tudo para ser transferida para Tel Aviv. Mas Zohar não parece se importar tanto. Ela é apaixonada por um oficial, mas nunca teve coragem de se aproximar dele. Temendo ficar sozinha, sem a melhor amiga, Zohar tentará impedir Daffi de ir embora.

Datas e locais
19/10 (domingo) – 17:30 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2
21/10 (terça) – 13:00 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
23/10 (quinta) – 15:45 – Reserva Cultural 1
29/10 (quarta) – 21:50 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3

THE GREEN PRINCE / THE GREEN PRINCE

2014 ● Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Israel ● color ● digital ● 100 min. ● Documentário
Direção: Nadav Schirman

O documentário conta a história de uma das fontes de informação mais valiosas de Israel, o filho de um líder do Hamas. Com o codinome “Príncipe Verde”, ele foi contratado aos 17 anos para espionar seu próprio povo durante mais de uma década. Com foco na relação complexa dele com seu contato israelense, o filme é um relato sobre terror, traição, escolhas e uma amizade que desafia todas as barreiras.

Datas e locais
17/10 (sexta) – 16:00 – Matilha Cultural
18/10 (sábado) – 16:45 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
19/10 (domingo) – 21:45 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta Anexo
26/10 (domingo) – 19:45 – Cine Livraria Cultura 1

TSILI / TSILI

2014 ● Israel, Itália, França, Rússia ● color ● digital ● 88 min. ● Ficção
Direção: Amos Gitai

Durante a Segunda Guerra Mundial, a jovem judia Tsili se esconde nas florestas de Chernivtsi, na Ucrânia, após toda sua família ser deportada para os campos de concentração. Marek, outro refugiado judeu, a encontra e fala com ela em ídiche. Com dificuldade em interagir após as experiências traumáticas, ela tem dificuldades em se comunicar com ele. Os dois conseguem se entender até o dia em que Marek vai à vila procurar comida e não volta mais. Inspirado no romance de Aharon Appelfeld, o filme conta a história da jornada de uma mulher mergulhada no pesadelo da guerra.

Datas e locais
16/10 (quarta) – 22:00 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
17/10 (sexta) – 23:15 – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2
19/10 (domingo) – 16:00 – Reserva Cultural 1
22/10 (quarta) – 15:00 – CineSesc
28/10 (terça) – 18:20 – Cine Sabesp

Viagem Narrativas: Israel e Palestina

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ROTEIRO

(sujeito a alterações segundo disponibilidade dos palestrantes)

 

1º dia | Quarta-feira 14/01: Jerusalém – Cidade Velha

11:30 Encontro do grupo no hotel em Jerusalém, check in e almoço de boas-vindas com os guias de turismo da Mejdi
14:30 Tour pela Cidade Velha, incluindo os túneis sob o muro das lamentações
Reunião do grupo e jantar

2º dia | Quinta-feira 15/01: Jerusalém – Yad Vashem, Ein Karem, Givat Hatachmoshet

08:30: Saída do hotel
09:00 Chegada ao Yad Vashem. Encontro com Tito Milgram
12:30 Almoço em Ein Karem e um rápido passeio pela região
14:00 Saída para Givat Hatachmoshet
14:30-15:30 Encontro com um veterano da guerra de 67
16:30-17:30 Encontro com Dr.Hillel Cohen no hotel
Reunião do grupo e jantar

3º dia | Sexta-feira 16/01: Cisjordânia – Belém/Hebron

08:30 Saída para Belém
09:00 Visita ao muro de separação e campo de refugiados em Belém
10:00 Saída para Hebron
10:45 Visita à rua Shuhada e assentamentos judaicos dentro Hebron e museu
12:15 Almoço em uma casa de família palestina
13:30 Visita ao lado palestino de Hebron
15:00 Saída para Beit Yatir

4º dia | Sábado 17/01: Shabbat em Beit Yatir

Atividades com moradores locais
Saída para Jerusalém

5º dia | Domingo 18/01: Jerusalém Oriental – Universidade Al Quds

08:00 Saída do hotel
08:30-11:00 Tour em Jerusalém oriental com Huda Al Iman
11:30-12:30 Encontro com Gina Abu Zalaf do jornal Al-Quds
12:30-15:30 Almoço e reunião do grupo
16:00-19:00 Visita à Universidade Al Quds e encontro com Dr. Sari Nusseibeh
19:30-21:00 Visita a uma família palestina: jantar e show uma banda israelo-palestina (Wast El Tariq)

6º dia | Segunda-feira 19/01: Jerusalém/Jericó – Knesset, Universidade Hebraica, Jericó

08:30 Saída do Hotel
09:00-12:00 visita à Knesset
12:00-13:00 Almoço na Cafeteria da Knesset
13:00 Saída para a Universidade Hebraica
13:30-15:00 Encontro com Gidon Simoni
15:00-18:30 Jericó com Friends of the Earth Middle East (questões sobre a água e soluções criativas
Reunião do grupo e jantar

7º dia | Terça-feira 20/01: Jerusalém – Hand in Hand, IPCRI, Judaísmo e resolução de conflitos, Families Forum e Combatants for Peace

08:30 Saída do hotel
9:00-11:00 Visita à escola Hand in Hand em Jerusalém (escola mista israelo-palestina)
11:00-14:00 Encontro seguido de almoço com o fundador do IPCRI Gershon Baskin (idéias que poderiam ajudar a resolver o conflito israelo-palestino)
14:30 Encontro com o rabino Dr.Marc Gopin ou rabino Dr. Daniel Roth sobre o judaísmo e resolução de conflitos.
16:00 Encontro com ativistas pela paz Rami El-Hanan e Bassam Aramin (ambos são membros do Families Forum e Combatants for Peace
Reunião do grupo e jantar

8º dia | Quarta-feira 21/01: Ramallah – Sede da Autoridade Palestina, Museu Mahmud Darwish, Amira Hass, Sam Bahour

08:30 Saída do hotel
09:00 Visita à sede da Autoridade Palestina e museu Yasser Arafat.
10:00 Encontro com Hanan Ashrawi
11:30 Visita ao Museu Mahmud Darwish
13:00 Almoço em Ramallah
14:30 Encontro com Amira Hass
16:00 Encontro com Sam Bahour, (empresário palestino-americano: oportunidades de negócios e os problemas e sobre BDS de um ponto de vista palestino)
Reunião do grupo e jantar

9º dia | Quinta-feira 2/01: Sderot/Tel Aviv – Sikkoy/Another Voice/Relações com Gaza

08:00 Saída do hotel e check-out
09:00 Reunião com Ron Gerlitz, líder do Sikkoy (trabalho para a igualdade para o setor árabe-israelense)
10:15 Saída em direção a Sderot.
11:45 Encontro com Jayme Fucs (fundador do Kibbutz Cholit) e Adele Raemer (moradora do Kibbutz Nirim)
13:00 Almoço em Sderot
14:00 Reunião com Another Voice (cooperação com os palestinos em Gaza)
16:30-17:15 Skype com Angie Kharma e Jamil Atti de Gaza
18:45 Chegada ao hotel em Tel Aviv
Reunião do grupo e jantar

10º dia | Sexta-feira 23/01: Um El Fahem ou Nazaré/Usfyia – árabes israelenses, drusos

08:30 Saída do hotel
10:15 Chegada a Um El Fahem ou Nazaré e encontro com o comitê de acompanhamento de assuntos árabes
12:30 Almoço
13:30 Usfyia e encontro sobre drusos
15:00 Partida para Tel Aviv para o Shabat
Reunião do grupo e jantar

11º dia | Sábado 24/01 – Shabat em Tel Aviv

Manhã livre
Encontros à tarde com Guila Flint, Dahlia Scheindlin, Biná (Yeshiva Secular)
Reunião do grupo e jantar

12º dia | Domingo 25/01: Tel Aviv – Rabin Square, Jaffa, Neve Tzedek

08:30 Saída do hotel
09:00 Visita à Praça Rabin para discutir o assassinato de Yitzhak Rabin e sua memória hoje
10:00-12:30 Passeio a pé da histórica cidade portuária de Jaffa e pelo bairro de Neve Tzedek.
14:00-15:00 Encontro com Yossi Belin sobre educação para a cidadania em Israel
19:00 Jantar de despedida
20:30 Fim de nossas atividades

 

QUEM NOS ACOMPANHARÁ

Michel Gherman
Possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutorado pelo Programa de História Social da UFRJ. É coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ.

Samuel Feldberg
Graduado em Ciência Política e História pela Universidade de Tel Aviv, e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Na USP, é pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos.

Rafaela Barkay
Doutoranda do Programa de Estudos Judaicos e Árabes da FFLCH-USP, tem como tema de pesquisa o diálogo entre israelenses e palestinos. Moderadora de grupos on e offline que visam a aproximaçäo entre estas duas populaçōes e o estudo crítico de questões relativas ao Oriente Médio e coordenadora do Fórum 18.

 

AGÊNCIA PARCEIRA

Aclamada pela National Geographic, pelas Nações Unidas e CNN, a abordagem inovadora de múltiplas perspectivas da Mejdi Tours para o turismo empodera o viajante com uma concepção mais rica e abrangente de Israel e dos Territórios Palestinos, sua cultura e seu povo. Através de um conjunto diversificado de guias turísticos e palestrantes israelenses e palestinos, cristãos, judeus, muçulmanos, de políticos, religiosos, ativistas pela paz, artistas, jornalistas, músicos, escritores e muitos mais, a Mejdi propõe uma rara imersão cultural para os viajantes de todas as origens. Saiba mais: http://www.mejditours.com/

 

INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕES

rafaela@forum18.com.br

Eyal Cohen e Aviv Geffen: entre política, religião e música

Fracasso e esperança (parte 3)

Nas partes anteriores do artigo (um e dois), foi demonstrado que operações militares extensas não podem eliminar o terrorismo do Hamas, assim como o assassinato ou a prisão de seus membros também seguirão fracassando. As sucessivas empreitadas israelenses, por meio desses métodos, acabaram por ter o efeito oposto ao desejado. O Hamas passou de um grupo marginal e minúsculo (Sheik Yassin e outras seis pessoas fundaram o grupo em dezembro de 19871) para uma força bem armada de milhares de membros, com capacidade de fechar o aeroporto Ben Gurion por dois dias, foguetes que podem alcançar as principais cidades israelenses e causador de um abrupto esvaziamento populacional do sul de Israel. Na atual Operação Margem Protetora, o governo e o exército israelense empregaram exclusivamente os métodos acima para combater o Hamas. O resultado foi o esperado.

Ainda no contexto da pesquisa da RAND sobre como eliminar o terrorismo, antes de analisar a alternativa restante – pacificação e adesão ao processo político – é indispensável ressaltar três verdades frequentemente esquecidas ou negadas.

  1. O Estado de Israel existe, é permanente e indestrutível; por mais que self-hating jews, antissemitas, antissionistas ou qualquer pessoa com senso crítico questione a legitimidade e a necessidade de Israel existir, isso não fará com que o país desapareça.
  2. A nação palestina existe, tem direito ao seu Estado e não abandonará a resistência enquanto não atingir esse objetivo; a narrativa de negação desse fato, bradada por radicais e ignorantes, é inútil e prolonga, artificialmente, uma situação passageira.
  3. A convivência pacífica e igualitária entre o povo judeu e o povo palestino é inviável num mesmo Estado. Diversos traumas, preconceitos e sentimentos negativos estão incrustados permanentemente no imaginário coletivo de ambos. Isso não implica em limpeza étnica; minorias de um povo poderiam habitar o Estado do outro, desde que tenham o seu próprio Estado nacional constituído, pronto para recebê-los se necessário.
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Ehud Barak, Madeleine Albright e Yasser Arafat em Camp David

Com essas premissas, as quais já deveriam ter sido encaradas com seriedade por todos os envolvidos no conflito, a pacificação do Hamas acontecerá no contexto da criação do Estado soberano da Palestina, ao lado do Estado de Israel. A evolução histórica nessa direção vem acontecendo com coerência. Nas negociações de paz entre Egito e Israel, em 1978, Anwar Sadat exigiu que Menachem Begin fizesse concessões para um futuro Estado palestino; o israelense julgou a demanda ridícula. Em 1988, o Rei Hussein da Jordânia transfere para a OLP de Arafat o pleito pelo território da Cisjordânia; assim, a Palestina deveria ser criada com base nesse território e em Gaza. Rabin, nos acordos de Oslo, deu passos indubitáveis para a solução de dois estados, como a evacuação de Gaza, a criação de uma força policial palestina e a auto-administração palestina (parcial ou total) em 27,8% da Cisjordânia. Finalmente, na Cúpula de Camp David do ano 2000, Ehud Barak fez uma oferta que, apesar de incompleta e repleta de problemas, culminaria na criação do Estado da Palestina. Dali em diante, todas os planos e rodadas de negociação tiveram como objetivo a solução de dois estados. Em adição a essa evolução, a opinião pública reitera qual a solução que ambas as nações querem. Mesmo sem nenhuma iniciativa significativa desde 2007, israelenses e palestinos seguem favoráveis à solução de dois estados.

O caminho para a paz e o fim do terrorismo palestino é longo. A pesquisa da RAND classifica os objetivos do Hamas como sendo principalmente nacionalistas, mas também religiosos; em adição a isso, na página 15 da mesma pesquisa:

…grupos terroristas motivados por objetivos nacionalistas e religiosos duram mais. Tipicamente,  possuem fontes sólidas de suporte na população local da mesma etnia que eles (…)

Por isso, a sociedade israelense e seus líderes precisam estar dispostos a fazer concessões, abandonar preconceitos e medos ao longo do trajeto e manter os extremistas sob controle. Estes são organizados e violentos e tentarão sabotar o processo, como já foi feito antes. Abandonar a caminhada antes do fim trará mais desilusão e pessimismo, como facilmente observa-se hoje em Israel e entre os palestinos. Por isso, é importante abordar as mudanças de postura e de política que Israel precisa realizar, se pretende chegar ao fim desse percurso e ver-se livre de morteiros em kibbutzim, ataques suicidas em pizzarias ou em discotecas. Tais mudanças não trarão, isoladamente, o resultado esperado; os palestinos precisam, também, realizar muitas concessões e corrigir inúmeros erros que vêm sendo cometidos. Mesmo assim, e por ser muito mais desenvolvido e forte que os palestinos, o Estado de Israel precisa concentrar todo seu poder na realização desse projeto. Após dezenas de anos de conflito, o desejo de resolvê-lo é quase uma premissa, para as maiorias das populações, para melhorar suas condições de vida. Se os palestinos não estivessem interessados em fazer a paz, a iniciativa israelense certamente despertaria esse desejo.

De acordo com a pesquisa da RAND, na página 16,

…grupos terroristas tendem a durar mais em países pobres. (…) um caminho para eliminar o terrorismo é melhorar a condição econômica de países onde o terrorismo é comum.

Economicamente, Gaza é terra fértil para o crescimento do terrorismo. De acordo com as estatísticas disponíveis, a taxa de desemprego bate em 45,1%, a pobreza atinge 59,9% da população e o Produto Interno Bruto real (descontada a inflação) está estagnado desde 1996. Para o terrorismo palestino, especialmente do Hamas, ver-se sem apoio ou justificativa entre a população, Israel precisa cooperar com a desenvolvimento econômico de Gaza. Isso passa, obrigatoriamente, pelo fim gradual do bloqueio e pela reconexão da economia de Gaza com o resto do mundo. Os 7 anos do fechamento desse território causaram a piora das condições econômicas da população local. Os méritos pelo fim do bloqueio e o desenvolvimento econômico devem ser explicitamente atribuídos às negociações, aos palestinos moderados e ao processo de paz, e não à violência do Hamas. O governo israelense precisa passar a mensagem correta aos palestinos: moderação e autocontrole geram ganhos, enquanto violência e terrorismo geram perdas.

Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço militar do Hamas

Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço militar do Hamas

Tão importante quanto o desenvolvimento econômico da Faixa de Gaza é a interrupção do crescimento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, para que sejam devolvidos aos palestinos no curso do processo de paz. Desde antes da conquista desse território – um resultado não esperado da surpreendente Guerra dos Seis Dias2 – diversos personagens centrais ao sionismo ressaltaram o quão errado seria levar judeus para construir e habitar na Judéia e na Samaria: Ya’akov Shimson Shapira³, Pinhas Sapir³, Yeshayahu Leibowitz e David Ben Gurion4. Em essência, aqueles que assentavam em 1967 julgavam dar continuidade ao sionismo de 1948, quando uma nação agia corajosamente, desafiando leis e atores hostis, para conseguir estabelecer-se e erigir seu Estado. No entanto, em 1967, o Estado de Israel já existia, era reconhecido pela comunidade internacional, possuia exército, leis e governo; a elite política e os novos colonizadores falharam em fazer a passagem de “revolução” para “instituição”, de “movimento nacional” para “Estado”. Se, antes, assentar era um método para estabelecer um Estado, veio por metamorfosear-se em um objetivo em si, santificado por uma minoria religiosa judaica e erroneamente legitimado pelo governo israelense.

Um dos propósitos dos assentamentos é evitar o surgimento do Estado da Palestina. Quando foi chefe do Comitê Ministerial de Assentamentos, no fim dos anos 70, Ariel Sharon criou e fez crescer muitos assentamentos na Cisjordânia, com o intuito de separar cidades palestinas e criar facts on the ground5. Entre 1993 (acordos de Oslo) e 2000 (2a Cúpula de Camp David), o número de judeus na Cisjordânia – excluída Jersualém Oriental – foi de 116 mil para 198 mil6, um aumento de 70%; para efeito de comparação, a população total de Israel cresceu somente 33% entre 1990 e 2000. Quanto maior essa população, mais difícil torna-se a devolução dessa terra aos palestinos.  Para defender a existência dos assentamentos, usa-se também o argumento de que a desocupação desse território aumentaria a insegurança do Estado e colocaria em xeque a existência de Israel. No entanto, os assentamentos são um fardo extra para o Exército israelense, que precisa defendê-los; durante o ataque sírio na Guerra de Yom Kippur, assentamentos nas colinas do Golan tiveram de ser evacuados ao mesmo tempo que tanques de Hafez al-Assad eram repelidos7. A evacuação de Gaza, ordenada por Ariel Sharon em 2005, encaixa-se nessa lógica como o negativo de uma foto; a cessão abrupta e unilateral serviu para proteger o projeto dos assentamentos como um todo, e colocou colonos e o Exército israelense em confronto. Dov Weisglas, um dos conselheiros mais próximos de Sharon, descreveu a evacuação como

…a quantidade apropriada de formaldeído (para embalsamar o Roadmap para a paz dos EUA) para que não haja um processo diplomático com os palestinos8.

Após o fim da Operação Margem Protetora, o Hamas veio a público relembrar a todos de sua intransigência e de seu propósito de libertar a Palestina, eliminando Israel. Concomitantemente, o atual governo israelense confiscou terras palestinas na Cisjordânia, enfatizando sua indisponibilidade para entrar em qualquer processo de paz. Os terroristas reiteraram que não são um parceiro para um processo diplomático, enquanto as lideranças israelenses seguem inculcando em seus cidadãos a mentirosa ideia que o fim do terrorismo deve vir antes das negociações serem iniciadas. O pessimismo das populações é plenamente justificado: a violência na região seguirá, já que o ódio palestino e o cinismo israelense determinam as movimentações políticas. No entanto, o cenário sombrio e a falta de perspectiva não puderam e não poderão afetar os desejos mais profundos dos sofridos civis da região: o encerramento do terrorismo e da violência são partes, e consequências, da paz entre os povos e da criação do Estado da Palestina. Ao contrário do que propagam governantes israelenses e de Gaza, não são pré-requisitos, mas sim resultados.


1 – MORRIS, Benny. Righteous Victims: A History of the Zionist-Arab Conflict, 1881-2001. New York: Vintage, 2001, p. 577

2 – GORENBERG, Gershon. The Unmaking of Israel. New York: Harper Perennial, 2012, p. 61

3 – idem, p. 66

4 – idem, p. 28

5 – idem, p.69

6 – idem, p. 108

7 – idem, p.81

8 – idem, p. 115


1a parte
2a parte

Blue

Depois da explosão, o silêncio ensurdecedor. Atordoados, catam o que restou das casas, dos corpos, da dor. Alguns se afastam do mundo virtual, têm a vida para respirar. Outros observam a movimentação estáticos, sem forças para reagir. Depois da catarse, o vazio. 

Uma hora antes do anúncio do cessar fogo para o início da noite, a israelense que tanto se esforçara em estabelecer sonhos com Gaza teve sua casa parcialmente danificada por um míssil. Dois amigos de sua comunidade foram enterrados nos dias que se seguiram e um terceiro ainda luta entre os dois mundos. Todos os outros anúncios de cessar fogo eram previstos para a virada da noite; este, chegou atrasado em uma hora.

A urgência toma conta de todos. No final de semana antecipado rumam para o norte, onde o ar desliza mais tranquilo entre as montanhas. As notícias de que grupos rebeldes tomaram o posto de controle na fronteira com a Síria de onde foram, em seguida, lançados alguns morteiros, parecem não ter intensidade suficiente para competir com a necessidade de silêncio.

Planos são adiados, afinal, é verão. Às vésperas da volta às aulas, as férias maculadas pelo sangue de inocentes deixará marcas profundas. Algumas ficarão expostas na face, sem possibilidade de qualquer disfarce. Outras, irão para debaixo do tapete e voltarão para nos assombrar enquanto saborearmos distraídos um café, ao som de alguma canção francesa antiga à beira-mar.

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.

O conflito em Gaza e a comunidade judaica na diáspora

Na próxima segunda feira, 01/09, o historiador carioca Michel Gherman estará em São Paulo para conduzir uma conversa sobre “O conflito em Gaza e a comunidade judaica na diáspora”, a convite do Fórum 18 e da B’nai B’rith. O encontro acontecerá as 20h na sede da instituição, à rua Caçapava, 105 – 4º andar. Para participar é necessário se inscrever enviando nome completo, RG e telefone para o e-mail rafaela@forum18.com.br
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Michel Gherman é Mestre em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém, e atua como Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos (NIEJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É parceiro do Fórum18 desde o surgimento do grupo, e já ministrou diversas palestras e cursos sobre o conflito entre Israel e Palestina.
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Hafradá, a “separação” palestina

Dentre todas as polêmicas que compõem o debate em torno do conflito Israel-Palestina, acentuadas nas últimas semanas devido ao recrudescimento do conflito entre Israel e o governo do Hamas na Operação Limite Protetor, provavelmente uma das questões mais espinhosas se refere à acusação de que Israel exerceria um regime de “apartheid” em relação à população palestina nos Territórios Ocupados, e talvez até mesmo dentro de Israel – emulando o apartheid (do africâner, “separação”) original, imposto pela elite branca da África do Sul à população negra, mestiça e indiana.

Partidários desta visão apontam para a situação na Cisjordânia, de gritante discrepância entre a situação econômica das vilas palestinas nas áreas B e C (sob controle total ou parcial israelense) se comparadas aos assentamentos israelenses, protegidos pelo exército e subsidiados pelas políticas governamentais e empresas privadas de Israel; os checkpoints no coração do território, que dificultam significativamente a liberdade de movimento; chegando ao extremo de existir estradas separadas para colonos israelenses e para a população palestina. Já críticos do uso do termo apartheid chamam atenção para as diferenças entre Israel e a África do Sul: cidadãos palestino-israelenses (i.e. somente nos territórios de 1948), por exemplo, possuem igualdade nominal e direitos civis, existem palestinos servindo na IDF e membros do Knesset, o parlamento israelense, etc. Também há quem argumente que descrever a política de Israel como apartheid diminui e desrespeita a memória coletiva das vítimas do regime segregacionista.

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Muro dividindo o campo de refugiados de Shuafat do assentamento de Pisgat Zeev, em Jerusalém Oriental.

Apesar da negativa das autoridades israelenses, e de seus aliados no exterior, de que Israel praticaria uma forma de segregação entre sua população judaica-israelense e árabe-palestina, grande parte das políticas de Israel para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental pode ser enquadrada dentro do escopo de um termo da língua hebraica – surgido, supreendentemente, do interior do establishment político e acadêmico israelense e promovido pelos formuladores de suas políticas de segurança –; a palavra hafradá (orig.: הפרדה), cuja tradução literal seria, assim como apartheid, “separação”, “divisão” ou “segregação”. Ativistas pela causa palestina, como o americano-israelense Jeff Halper, do Israeli Committee Against House Demolition (ICAHD), argumentam que hafradá, guardadas suas semelhanças significantes com apartheid, constituiria uma descrição mais aguçada da “visão e política de Israel para com os palestinos nos Territórios Ocupados”.

O termo hafradá começou a assumir seu caráter político-paradigmático e adentrar o uso corrente tanto dos meios oficiais quanto da população civil israelense a partir da década de 1990, com os trabalhos do professor da Universidade de Haifa Daniel “Dan” Schueftan, e com certas “políticas de segurança” adotadas pelo então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, como a barreira que separa Israel da Faixa de Gaza. A palavra também apareceu em campanhas políticas, sempre carregada de uma conotação positiva, como na eleição de Ehud Barak para primeiro-ministro, em 1999, realizada sob o slogan “Nós aqui. Eles lá”. Na época, não estava explícito onde exatamente seriam “aqui” e “lá”. E em 2001 Ariel Sharon se elegeu prometendo prover “paz e segurança” fazendo uma “hafradá do comprimento e largura da terra”.

No ano de 2002, a hafradá passou a ser associada à ideia, promovida por Sharon, de “desengajamento unilateral” (orig.: “Hafradá Chad Tzdadit”), da qual fazia parte a construção, iniciada neste mesmo ano, da barreira de separação (orig: “Geder HaHafradá”), que se estende em parte na Linha Verde que separa Israel dos Territórios Ocupados, em parte Cisjordânia adentro, mantendo do “lado de cá” grande blocos de assentamentos, como Gush Etzion e Ariel, e isolando cidades palestinas como Qalqilyah e Belém do “lado de lá”, e continua sendo construída até o momento. O nome original da iniciativa, “Plano de Separação”, foi trocado por “Plano de Desengajamento”, pois, como admitiu o próprio Sharon em sua biografia, “‘Separação’ soava mal, especialmente em inglês, pois evocava apartheid”.

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Mapa da organização israelense B’Tselem detalhando o estágio de construção do muro em 2006.

O plano de desengajamento de Sharon foi adotado oficialmente por Israel em 2005, e constituiu uma estratégia pragmática para o avanço e a normalização da ocupação na Cisjordânia. Foi e continua sendo executado unilateralmente, i.e. imposto sem o consentimento da Autoridade Palestina ou de sua população. Parte do plano incluiu, naturalmente, cessões; todos os assentamentos israelenses na desvalorizada Faixa de Gaza foram forçosamente demolidos, e seus nove mil colonos foram evacuados ou deixaram o território voluntariamente. Eleições foram convocadas para a Autoridade Palestina em 2006, resultando numa vitória apertada do islamista Hamas sobre o laico e moderado Fatah, vitória essa que não foi reconhecida por Israel, EUA, a União Europeia e a maioria do mundo ocidental, que se pôs a sancionar economicamente a Autoridade Palestina. Tensões entre ambas as facções acabaram explodindo com a Batalha da Faixa de Gaza em Julho de 2007, na qual o Hamas acabou por derrotar o Fatah em uma guerra civil de baixa escala, e estabeleceu controle total sobre o pequeno território. O Fatah, por sua vez, continuou a controlar a Área A da Cisjordânia. O resultado no longo prazo você confere em qualquer jornal ou site de notícias dos últimos dias.

O doutor Schueftan, em uma entrevista ao The Jerusalem Report em 2005, após a adoção oficial do “Plano de Desengajamento”, afirmou que este constituía apenas o primeiro passo em um “processo histórico mais amplo”, e que a “característica subjacente” do desengajamento não é que ele trará paz, mas sim que impedirá o “terror perpétuo”.

Qual é a importância do conceito de hafradá no contexto da Operação Limite Protetor? Pra começar, eu coloco minhas fichas que Israel não vai reocupar militarmente a Faixa de Gaza, tendo ou não capacidade para isso. Além da divisão Hamas-Fatah ser benéfica pra execução do “Plano de Desengajamento”, o Hamas ainda garante alguma estabilidade ao território, contendo outros grupos mais radicais, como a Jihad Islâmica. Um retorno à situação pré-2005 seria extremamente custoso para Israel, exatamente o contrário do que pretende o “desengajamento”, i.e., manter uma ocupação estável e barata.

Como parte do processo amplo e de longo prazo da hafradá, está previsto o estabelecimento de um Estado Palestino independente nas áreas mais densamente populosas (Ramallah, Belém, Jericó, Jenin, Nablus, parte de Hebron, etc.) – cabendo aqui perguntar, qual seria o grau real de independência de uma instância administrativa operando em território descontínuo (somente na área A da Cisjordânia), com uma autonomia imposta por Israel, ao invés de negociada, e economicamente dependente? Novamente, a semelhança com os bantustões sul-africanos é preocupante.

O professor de Biologia Eitan Harel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse ao Le Monde Diplomatique em 1996: “O sonho da Grande Israel foi substituído pela realidade de uma Israel menor. O que importa para as pessoas é viver melhor aqui, e se você lhes perguntar pelo que elas desejam e esperam, a resposta da maioria é: hafradá, separação”. Ao mesmo tempo em que a hafradá é a desistência de uma Grande Israel, representa, no entanto, também a consolidação da presença israelense na Cisjordânia – e, especula-se, o fim do paradigma da solução de “Dois Estados Para Dois Povos”.

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Onde há fumaça ainda há um fio de esperança

Estava hoje na rua pela hora do almoço quando recebi um telefonema. No meio de nossa conversa a menção de que meu amigo de Gaza havia feito algum comentário no grupo a respeito dos panfletos que o exército de Israel costuma jogar de aviões sobre regiões que serão bombardeadas a fim de alertar a população civil para que evacue a área fez meu coração disparar, prevendo que ele estivesse passando por tal situação. Tentei contato por todos os meios de que dispunha, porém sem sucesso e saí em disparada para casa a fim de me conectar com mais qualidade. Felizmente tudo pareceu se tratar de um mal entendido e respirei aliviada. Deixe-lhe uma mensagem contando sobre o sufoco pelo qual passara, mas que já desfizera a confusão. “Estou enlouquecendo”, pensei.

Pouco depois ele entrou em contato comigo, confirmando a prática dos panfletos e acrescentando que na semana anterior recebera uma ligação do exército israelense no celular dizendo que eles tinham como alvo células do Hamas e alertavam a população para que não colaborassem com o grupo. “Eles querem que nos insurjamos contra o Hamas, mas sabem que não podemos fazer isto”. “É uma pessoa que telefona, ou uma gravação?”, perguntei. “Gravação.” Procurei tranquilizá-lo de que os ataques aéreos eram mais precisos do que aqueles por terra, e que ele não teria nada a temer. Percebendo seu ceticismo crescente, sugeri que mudássemos de assunto. Falamos dos sentimentos por uma garota, de sonhos de uma vida melhor, mostrei-lhe o trecho de meu último texto em que eu falava a respeito dele, ao que ele me respondeu no seu costumeiro tom bem humorado: “Uau! Desse jeito eu vou me amar!” Como sempre, lhe assegurei de que esta situação teria um fim e que ele se daria muito em breve. Não falei isto somente para ser simpática, mas por realmente acreditar que apesar dos tempos sombrios, eles não serão eternos.

Era sábado, meu dia de descanso, e tinha mais tempo para cuidar de alguns assuntos pessoais e dar mais atenção àqueles que me procuravam. Não consigo me dedicar a todos como gostaria. Recebo mensagens muito bravas daqueles que ficaram fora das minhas prioridades no momento e me percebo elencando dramas pessoais: se está em campo de batalha, envolvido com as negociações ou cuidando de milhares de pessoas, sobe para o topo da minha lista. Envolvidos com o diálogo entre as partes e questões pessoais muito urgentes vêm em seguida, para por último entrarem questões muito particulares e pontuais. Discussões teóricas, suposições ou simples exercício são desconsideradas e qualquer forma de desrespeito ou acusação infundada são sumariamente ignoradas. “Sim, estou enlouquecendo”.

Um amigo israelense me relatou que desde o início da guerra, mesmo que menos carros se arrisquem nas estradas, o número de acidentes teve um aumento de 40%. Em um grupo do facebookque  reúne moradores do sul de Israel, onde procuro somente ouvir sem me manifestar, li relatos de como as pessoas têm medo de sair de casa para qualquer compromisso, e serem pegas desprevenidas no meio do caminho pelo aviso das sirenes sem conseguir chegar a um local seguro a tempo. Nesta região, devido à proximidade com Gaza, o sistema de proteção conhecido como Domo de Ferro tem sua eficácia diminuída. Esta semana, a primeira criança israelense morreu, atingida por um estilhaço de um míssil lançado pelo Hamas. A família, casal e três filhos estava no carro quando soou a sirene, e em uma escolha extremamente difícil, optaram por que cada um dos adultos pegasse um dos menores no colo, e que o menino mais velho de quatro anos os acompanhasse correndo. Não foi rápido o suficiente. Um dos integrantes do grupo relatou que tem o costume de deixar a porta de casa aberta, para o caso de algum estranho que esteja passando na calçada em frente no momento do alerta, possa abrigar-se ali. Outro relatou que os cachorros correm para os abrigos cada vez que escutam as sirenes, o que na região se dá repetidamente durante o dia e a noite, e alguém perguntou se os demais membros também brincavam com as crianças competindo para ver quem conseguia chegar mais rápido ao abrigo. “Estamos todos enlouquecendo”.

Uma garota publicou uma mensagem angustiada no grupo. Seis mísseis haviam atingido a vizinhança de nosso amigo de Gaza. Ele teria tido tempo de em algum momento escrever-lhe uma mensagem, e alguns minutos mais tarde enviou outra, dizendo que estava vivo e recomendando que ela fosse dormir. Respiramos todos aliviados.

Pouco tempo depois notei que ele estava conectado, e lhe escrevi uma mensagem pedindo notícias, ao que ele prontamente respondeu, abrindo um abismo sob meus pés. Aos primeiros sinais de bombardeio, a família que vive apinhada em uma casa de um cômodo em um campo de refugiados, saiu correndo aos gritos, mas ele usava seus fones de ouvido e demorou uns poucos segundos para reagir. Foi o último a sair da casa que tremia e cujas janelas e telhado sofreram danos devido à explosão da pequena galeria de lojas distante cem metros dali. “Eu nunca havia visto algo assim em minha vida, o mundo ficou todo vermelho, o barulho era ensurdecedor”. Machucou um pouco o braço, e correndo em meio à fumaça e escombros, um dos olhos sofreu com a poeira. “Queima como o inferno”, disse. Extremamente deprimido e desacreditando de qualquer possibilidade de sobrevivência me implorou que eu parasse de falar qualquer palavra positiva. Sua dor era tamanha que qualquer sopro de vida lhe soava como uma heresia.

“Alerta vermelho, alerta vermelho”, publicou a israelense que vive na fronteira com Gaza. O medo, a exaustão e a incerteza marcando a nova semana que se inicia. Na manhã de domingo, enquanto tomava seu café, as sirenes soaram na região. Não houve feridos.

E na dança em que os últimos encontram seu destino, não posso me dar ao luxo de não ser a última que ainda carregue um fio de esperança. Tenho que seguir fazendo o que comecei, não posso me permitir abandoná-los. Um outro amigo, acadêmico e ativista veterano em resolução de conflitos respondeu ao meu apelo por ajuda: “em se tratando destes líderes extremistas dos dois lados, você vai ter que se acostumar ao pior.” Procuro uma brecha por onde possa passar a luz e minimamente sustentar uma esperança de vida.

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.

A garota de Gaza

Na madrugada anterior, a garota de Gaza escreveu uma mensagem em nosso grupo. Muito assustada, relatava o medo diante do recente ataque israelense nos arredores. “A luz, o cheiro e o som das explosões são diferentes”, dizia. Procurei acalmá-la em uma conversa privada e alertei uma amiga turca em comum e próxima a ela há mais tempo, que  aceitou minha recomendação para que lhe telefonasse assim que possível, tarefa que somente conseguiu completar muitas horas após termos perdido a conexão com ela. Aliviada, nossa amiga compartilhou as notícias comigo, e a meu pedido com o grupo, de que a garota e sua família passavam bem.
Acordei sobressaltada, como se tornou costume acontecer várias vezes a cada noite desde o início da guerra, e assim que meus olhos se acostumaram à luz do ipad, fui checar os últimos acontecimentos no facebook. Um dos amigos mais queridos de Gaza, com o qual tenho tido contato quase que diário há varios meses e que insiste em nos proteger das más notícias, recém publicara uma mensagem de alerta com muitas exclamações, como costuma fazer em casos limite, quando o pavor não cabe mais dentro de si. “Israel  assassinou três líderes do Hamas!!! Agora eles vão reagir com muita raiva, de uma maneira como nunca se viu antes!!!”.
Tentei contato em privado, mas como já acontecera com outros durante a guerra, ele não me respondeu, nem ao telefone na manhã seguinte. Alguns silenciam por medo de serem relacionados a israelenses (judeus da diáspora como eu costumam fazer parte desta categoria), e se esforçam em apagar os rastros. Outros o fazem para externar a raiva e frustração, buscando desesperadamente materializar sua angústia diante do sentimento de impotência perante o inimigo. Mas o calar dele é outro. Não quer ser o portador de nada que macule a vida do próximo. Esforça-se além do limite para não deixar transparecer nenhum sentimento negativo por medo de ferir ou impressionar alguém. Já lhe garanti colo, ombro e ouvido nestes momentos e, poucas vezes, muito poucas mesmo, ele conseguiu compartilhar uma pequena parcela da dor e do desespero, para prontamente me pedir desculpas pelo incômodo e logo contar alguma piada. Dono de apurado senso de humor, várias vezes me fez passar das lágrimas às gargalhadas, e rimos juntos de um e de outro lado, e do ridículo de nossa situação.
Não faz muito tempo, sugeri que ele se casasse com a garota de Gaza. Garanti sua aparência de boneca, que uma vez tive a oportunidade de conferir em uma fotografia que ela prontamente ocultara, um pouco por medo, um pouco por pudor, quando percebeu minha bisbilhotice. “Casar custa muito caro”, me respondeu com pesar, sentindo-se distante de um dos poucos prazeres possíveis ali, e quase que inatingível para um morador de um campo de refugiados. Inteligente, tem garantido seu emprego na administração da importação de mercadorias israelenses em uma pequena empresa local. “Meu patrão morre de medo de me perder”, me contou rindo. Peço a Deus que possamos ser testemunhas de um novo mundo, que ele se torne um grande empresário e possa desposar nossa princesa.
 “Como você sabe que não é um perfil falso?”, me indagou um novo conhecido. “Não há nada que garanta sua veracidade. Você já ouviu sua voz? Viu sua imagem?” “Não garanto”, respondi, “mas sinto”. Minha experiência de mais de dez anos em redes sociais ativou em mim um profundo senso de discernimento. Verdade que já me enganei antes, me frustrei muitas vezes, mas acertei em todas aquelas em que apostei. Se não lhe der uma chance, a verdade nunca terá espaço para se manifestar. Aprendi a aceitar o oculto como parte da cultura da região, do pudor religioso, ou como meio de precaução. Aceitar o não-dito e o não revelado como parte do acordo, me permite chegar muito mais perto da essência, me tornando um porto seguro, que é o que me importa no momento.


Pela manhã, cheguei ao grupo a tempo de apagar a mensagem da israelense, atitude que somente tomo em casos muito particulares, decidindo por ela após me certificar de que ninguém de Gaza a tinha lido, o que fizera através uma ferramenta disponível apenas para grupos pequenos e que permite saber quem visualizou cada publicação. Rapidamente a chamei em particular, tomando o cuidado de lhe dar alguma satisfação quanto à minha atitude radical. O artigo publicado na mídia israelense, que ela compartilhara na intenção de demonstrar empatia, alertava para o fato da população de Gaza ser punida pelo Hamas com a morte em caso de acusação de espionagem para Israel. Na impossibilidade de provar a suspeita, todo cuidado é pouco. Não que nossos amigos palestinos não saibam disto, mas diante do pavor em que estão vivendo, poderiam desistir da única forma de comunicação com o mundo exterior, o nosso pequeno grupo secreto. Ela aceitou minha atitude, apesar de não ter compreendido muito bem o risco, mas acreditou na minha capacidade de julgamento. Aproveitei a ocasião para lhe transmitir as boas novas: a garota de Gaza, agora professora graduada de inglês para pequenos, concordara em conversar com ela depois da guerra sobre seu apelo para que trabalhassem juntas com as crianças dos dois lados da fronteira, a fim de que através da educação compartilhada, como em outros modelos já existentes dentro do território israelense, se constituíssem laços ao invés de barreiras. O futuro já existe, mesmo que ainda em forma de ideia. Que seja construído de sonhos.

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.

Bum!

São Paulo, 19 de agosto de 2014

Após o silêncio durante os cinco dias do mais extenso período de cessar-fogo desde o início da guerra, hoje os ataques recomeçaram. De um lado, o Hamas lançou mísseis na direção das regiões sul e central de Israel. Moradores de Beer Sheva a Tel Aviv, passando por Jerusalém foram alertados a procurar abrigos seguros. As explosões do sistema anti-mísseis conhecido como o Domo de Ferro, a grande vedete da guerra até o momento, foram ouvidas em Dura, cidade da Cisjordânia perto de Hebron, e que não conta com nenhum sistema de proteção. Do outro lado, o exército israelense tornou a bombardear a faixa de Gaza, mais uma vez castigando a população, parte da qual teve a vida reduzida a ruínas.


Tão logo os primeiros mísseis foram lançados na direção de Israel, as redes sociais começaram a se movimentar. Minha linha do tempo no Facebook foi gradualmente tomada por mensagens de amigos que relatavam seu medo, seus passos e sua exaustão. Se por um lado, eu já organizara minha rede de contatos de modo a me preservar das tonalidades acusatórias mais acaloradas, por outro, o espaço dedicado ao cuidado com aqueles que buscavam o diálogo se expandiu. Desde os primeiros indícios da retomada da guerra, tive o cuidado de publicar, tanto em minha linha do tempo como em um grupo que administro, mensagens de apoio e acolhimento aos amigos dos dois lados do combate. 


Hoje, os primeiros depoimentos vieram daqueles que vivem na região fronteiriça à Faixa de Gaza, seguidos pelos dos moradores de Tel Aviv e arredores, e finalmente dos de Jerusalém. Me comuniquei em mensagens privadas com alguns deles enquanto estavam em abrigos e buscavam não transparecer a ansiedade. Mas já estavam cansados, exaustos depois de mais de um mês sob a tensão que não conseguiam disfarçar. O cessar-fogo e as negociações no Cairo haviam gerado alguma esperança mesmo que remota, de que finalmente se iniciasse um processo de paz marcado por acordos políticos e não mais pela violência. Durante os dias de calmaria, grupos de árabes e judeus israelenses foram às ruas para manifestar seu repúdio à guerra: “árabes e judeus se recusam a ser inimigos” foi o slogan mais ouvido, chegando a levar 15.000 pessoas à Praça Rabin em Tel Aviv no último sábado, somando imagens nas redes sociais, àquelas estampadas horas antes das praias lotadas em um belo dia de verão, e que eu havia observado com o coração apertado, um pouco pelo medo da impermanência, e muito pelo pensamento na população de Gaza que naquele momento tentava recolher corpos sob os escombros.


As primeiras mensagens traziam em si o tom do desabafo: “tenho medo, isto nunca vai acabar”, diziam as entrelinhas. Mas, rapidamente as manifestações de preocupação com os amigos do outro lado da linha de fogo começaram a surgir, em uníssono com as de amigos brasileiros, distantes do conflito e que, cientes do cuidado de minhas manifestações, passaram a seguir minhas mensagens, assim como eu seguia as daqueles em quem confiava. Rudimentos de paz? Estamos clamando pelo mesmo conceito, ou nos apegamos a simbolismos genéricos que aplacam a nossa sede imediatista por fórmulas prontas?


Neste momento prefiro não me fixar à necessidade em obter estas respostas, mas sim em aceitar como absolutamente legítimas e belas as manifestações que testemunho, como a da garota de Gaza, que ao mesmo tempo em que escutava o som dos bombardeios inimigos em sua cidade, nos chamava em nosso grupo fechado a celebrar sua graduação na faculdade local, e que há cerca de apenas uma semana  manifestara sua admiração em conversar comigo, a primeira mulher judia com quem ela jamais falara em toda a sua vida.

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.