Políticas da vizinhança: Israel e Palestina
Sou judia e Israel não me representa
Hoje, dia 6 de agosto, um pequeno grupo de judeus foi em frente ao consulado israelense em São Paulo e manifestou seu desgosto com relação às políticas israelenses por meio de cartazes e palavras de ordem.
Àquelas pessoas que pensavam não existirem judeus brasileiros contrários às ações etnocráticas e opressoras perpetradas pelo estado de Israel, este grupo respondeu com firmeza: existimos.
Gritamos em alto e bom som que não aceitamos que Israel promova segregação e massacre, muito menos em nosso nome – não só o massacre das últimas semanas, que a comunidade internacional acompanhou com mais atenção, mas o massacre diário sofrido pela sociedade palestina.
Quando o primeiro judeu veio discutir com o grupo (“Vocês não têm vergonha?”), nos lembramos da responsabilidade que temos em lembrar ao mundo de que a vergonha deve vir de quem legitima a opressão. Soubemos que estávamos no caminho certo.
O ato de hoje foi pontual mas, ainda que não represente um grupo grande, homogêneo e consolidado, indica algo muito significativo: vozes de judeus que publicamente criticam Israel.
Somos judeus que nunca encontraram o espaço ideal para nos manifestar dentro ou fora da comunidade judaica: dentro, mesmo os mais progressistas resistem em admitir a responsabilidade de Israel no massacre em curso; fora, os discursos não raro desembocam em antissemitismo.
Foi necessário que cada um de nós passasse por processos similares de amadurecimento político e pessoal para que nos sentíssemos compelidos a enfrentar os riscos de sermos vistos como “traidores”, “self-hating jews” ou “apoiadores de terroristas” para expressar nossa indignação.
DESCONSTRUÇÃO
Há mais judeus que questionam as ações israelenses. Muitos deles, contudo, temem a represália que sofreriam pela comunidade judaica caso se posicionassem. Mesmo as pessoas judias mais distantes da comunidade já se depararam com o esforço das lideranças judaicas em reproduzir o sionismo seja nas escolas, nos movimentos juvenis, nos clubes, nas sinagogas ou em outros ambientes de socialização, procurando silenciar as vozes que se contrapõem ao discurso sionista.
Chega uma hora em que, sem grande esforço, as coisas deixam de se encaixar tão perfeitamente.
As fotografias de infância de muitos de nós têm no fundo uma bandeira de Israel – às vezes ao lado de uma bandeira brasileira, mas nem sempre. Aprendemos a brincar de soldados de uma forma menos ingênua do que institucionalizada.
Aprendemos que a trágica história de perseguição contada pelos nossos avós não é um relato só do passado mas também um alerta.
Aprendemos nas aulas de história judaica que o nosso povo não tinha para onde ir e, ao encontrar uma terra deserta e desenvolver tecnologia para trabalhá-la, atraiu a inveja dos vizinhos árabes. Aprendemos que o judaísmo – ou seria o sionismo? – é parte integral da nossa identidade.
Aprendemos a ter medo. A nos orgulhar das conquistas israelenses como se fossem nossas.
Aprendemos que o único lugar seguro no mundo para nós, judeus potencialmente alvos de perseguição, é Israel (ainda que lá seja provavelmente um dos lugares mais perigosos para se estar).
Aprendemos que usufruir daquela terra é direito divino nosso e a considerar os palestinos como inferiores, terroristas e, no limite, selvagens.
Mas…
A situação dos refugiados não bate com o mito sionista da “terra sem povo para povo sem terra”. Os documentos israelenses abertos a público na década de 1980 contam uma história diferente.
A concessão de cidadania israelense a quem nunca esteve lá chama atenção se comparada ao status de refugiado de quem sempre esteve.
A população pobre, desamparada e cercada nos territórios palestinos não parece representar um agente ativo tão significativo nessa dita guerra.
As viagens patrocinadas pela comunidade à Israel não mostram o que há do outro lado do muro. A propaganda sionista (“hasbará”) é claramente excessiva.
Por fim, questionamos: a quem interessa manter um grupo de pessoas com medo? A quem interessa a desumanização dos palestinos?
Claro que não é fácil desconstruir algo que diz respeito a quem você é, principalmente quando há tanta pressão para que você continue se identificando com uma relação que, por mais afetiva que pareça, é política: a relação dos judeus do mundo com Israel.
Muitos de nós tiveram problemas familiares sérios a partir da menor demonstração de desalinhamento com as verdades professadas.
Amigos de muitos anos se ofenderam e interromperam a amizade. Algumas relações profissionais foram seriamente abaladas.
Sem falar nas ameaças – das mais sutis às mais diretas. As pessoas que, por entenderem o judaísmo como equivalente ao sionismo e este como equivalente ao apoio incondicional às políticas israelenses se sentem pessoalmente atacadas com críticas políticas.
É preciso ser ao mesmo tempo compreensivo e intolerante com o que elas pensam e ajudar no processo de questionamento por que passam. Não podemos esquecer, entretanto, que todos os dias direitos humanos são violados na Palestina.
Que há militares israelenses invadindo casas palestinas durante a madrugada. Que há refugiados pelo mundo ansiando pelo seu retorno. Que há palestinos sem acesso a água, energia, comida, hospitais ou escolas.
Que há vozes dissonantes que fogem a qualquer maniqueísmo que pressuponha a existência de dois lados nessa história toda. São muitos os lados: um deles é representado pela nossa voz, que diz: não à opressão israelense.
Texto publicado originalmente no site Brasil Post.
Fracasso e esperança (parte 2)
Na primeira parte do artigo, foi comprovada a ineficácia das operações militares israelenses para encerrar, definitivamente, a resistência terrorista palestina. O enfrentamento do Hamas e de outros grupos trouxe vitórias para Israel; no entanto, pontuais e de curto prazo. Essa descoberta não surpreende, já que a pesquisa da RAND previu as escassas chances, considerando o histórico desde 1968, de um grupo terrorista cessar suas atividades como resultado direto de uma guerra. Análises (1, 2, 3) indicam que o Hamas deve sair fortalecido da atual operação, como já havia sido previsto. Nesta segunda parte, será analisada a eficácia de prisões e mortes de lideres do Hamas, por meio de ações especificas e sem engajamento militar extenso. Importante ressaltar que a pesquisa da RAND aborda somente o fim definitivo e incondicional do terrorismo, desconsiderando pausas temporárias, tréguas ou atentados pontualmente evitados.
O primeiro inimigo israelense eliminado por “assassinato seletivo”, em 1956, foi Mustafa Hafez, Diretor de Inteligência egípcio na Faixa de Gaza. Desde então, o número de pessoas (palestinas ou nacionais de outros Estados) mortas por Israel, usando esse método, é maior que 200. A Organização Não-Governamental israelense B’Tselem estima que, entre o início da Segunda Intifada (29/set/2000) e o fim de 2010, 239 combatentes palestinos foram mortos por sikul memukad (“prevenção focalizada”), que é a expressão utilizada em Israel para fazer referencia a esta prática. No que tange a prisões, a última estatística oficial (Maio de 2014) apontava 6366 palestinos nas prisões israelenses, sendo 5053 por questões criminais e de segurança e os demais 1313 por presença ilegal no país.
Israel foi, em geral, bem-sucedido quando buscou matar os personagens do Hamas. Entre as vitimas fatais de renome, destacamos: Yahya Ayyash (principal desenvolvedor de bombas e foguetes); Salah Shehadeh (chefe do braço armado); Ismail Abu Shanab (oficial de alto escalão, considerado pragmático e moderado); Ahmed Yassin (fundador e líder espiritual); Abdel Aziz al-Rantisi (fundador e chefe do braço político); Adnan al-Ghoul (líder do braço armado e criador do foguete Qassam); Nizar Rayan (clérigo fundamentalista); Said Seyam (Ministro do Interior); e Issa al-Batran (líder do braço armado e fabricante de bombas e foguetes). Houve, entretanto, um famoso caso de retumbante fracasso. A tentativa de envenenar Khaled Meshaal na Jordânia, em 1997, por ordem do então primeiro-ministro Bibi Netanyahu, resultou em dupla crise diplomática com o Rei Hussein e o presidente estadunidense Bill Clinton. Bibi forneceu o antídoto para o veneno e foi pessoalmente à Jordânia, desculpar-se perante o Rei. Meshaal sobreviveu e foi alçado, entre os palestinos, à categoria heroica de “mártir vivo”.
O Hamas é um movimento islâmico popular, que recruta a maioria de seus membros de famílias pobres. No intuito de agradar seus apoiadores, mantém uma estrutura de filantropia e caridade, especialmente para a população de Gaza. A pesquisa da RAND, na página 39, explica:
A maioria dos grupos terroristas (…) precisa de uma base de apoio, a qual forneça suporte material, como dinheiro, esconderijos e recrutas. Eles também precisam de um ambiente hospitaleiro para sobreviver.
Nesse sentido, é importante analisar se e como os assassinatos seletivos e prisões de líderes do movimento alteraram a evolução do apoio oferecido pela população.A primeira eliminação sofrida pelo Hamas, em janeiro de 1996, foi Ayyash, “O Engenheiro”. Analisando o gráfico, nota-se que exatamente nessa época o grupo observou forte declínio em sua popularidade, entre setembro de 1995 (16,6%) e março de 1996 (5,8%). No entanto, são os eventos anteriores e posteriores ao sikul memukad de Ayyash que explicam a piora na imagem do Hamas. Em julho e agosto de 1995, o Hamas executou dois atentados suicidas, matando onze israelenses. Em setembro, foi assinado o acordo de Taba entre Israel e OLP, no curso das negociações de paz de Oslo. Pesquisas de opinião apontavam que o acordo de Taba era apoiado por 72,1% do público palestino e que 85% votariam, nas eleições, em candidatos que apoiassem o processo de paz. Os atentados do Hamas foram vistos, por uma população momentaneamente moderada, como prejudiciais a esse processo, o que explica a perda de apoio observada.
Os assassinatos seletivos e prisões seguintes não influenciaram negativamente a imagem do grupo fundamentalista perante os palestinos. A Segunda Intifada, entre setembro de 2000 e fevereiro de 2005, foi o cenário da execução de dezenas de membros do Hamas, especialmente dos grandes líderes citados acima. Ademais, entre janeiro de 2001 e janeiro de 2006, o número de prisioneiros palestinos em Israel aumentou 467%. Apesar disso, desde meados de 1996 pelos 10 anos seguintes, a popularidade do Hamas cresceu solidamente, atingindo 37,7% em março de 2006. A queda observada na sequência não foi motivada por prisão ou sikul memukad de membros, mas sim pelo confronto com o grupo rival Fatah e, na tendência que segue até hoje, pela má percepção da administração desse território.
Outro aspecto a ser analisado é o operacional, ou seja, quão prejudicada fica a capacidade de ataque do Hamas após seus líderes serem presos ou mortos. Trabalho publicado em 2006 pelo College of William and Mary analisou o número de atentados terroristas, e as vítimas resultantes, antes e após os assassinatos de Salah Shehade e Sheik Ahmed Yassin. O insucesso israelense está assim descrito:
a questão é (…) se a morte de Shehade contribuiu para a redução de ataques terroristas contra israelenses; a estatística não gera essa conclusão. A estatística mostra que (…) o número de israelenses mortos cresceu, assim como a quantidade de ataques.
falando da execução de Yassin:
terrorismo não foi evitado, já que os ataques aumentaram em número. (…) Ademais, se um dos objetivos de eliminar líderes espirituais é acabar com a motivação de uma organização terrorista, então esse método foi um claro fracasso, tendo em vista que a motivação permaneceu alta.
Outro estudo, publicado pelo Strategic Studies Institute do Exército dos EUA em dezembro de 2008, é mais abrangente, pois elenca os assassinatos seletivos entre as diversos métodos israelenses no combate ao terrorismo palestino. Ainda que associe-se a prática de sikul memukad a diversas outras (fora do foco da pesquisa da RAND), e ainda que conceda-se vitórias momentâneas ao contraterrorismo israelense, o longo prazo é inexorável:
Israel atingiu vitórias significativas em sua guerra contra os palestinos, ao fazer uso de assassinatos seletivos de lideranças; boicotes; cortes de eletricidade; ataques e detenções preemptivas; e punições a famílias, parentes, bairros (etc.) de militantes. Sua lógica contraterrorista baseia-se em reduzir a capacidade organizacional dos insurgentes. (…) No entanto, um advogado da causa admitiu que Israel não havia “vencido o ímpeto de resistência” [dos palestinos]. Essa confissão sugere que(…) os palestinos, apesar de todos os esforços feitos para enfraquecê-los e incriminá-los, para desencorajar ou prevenir seus apoiadores árabes não-palestinos de defender seus interesses, (…) poderiam gradualmente puxar os israelenses de volta a negociações abrangentes, ou insurgir-se contra eles. Moshe Sharett, o segundo primeiro-ministro de Israel, questionou: “Será que as pessoas consideram que, quando reações militares superam a severidade dos eventos que as originaram, graves processos são iniciados, os quais alargam o fosso e forçam nossos vizinhos ao extremismo? (…)”
O Hamas foi criado, em dezembro de 1987, como um movimento de resistência, adepto do terrorismo e contrário à forma como a OLP secular conduzia o relacionamento com Israel. Em 1996, o sikul memukad de Yahya Ayyash mostrou que o Hamas passara a ser uma preocupação relevante para a segurança israelense. Seus abomináveis ataques suicidas, sua violenta participação na Segunda Intifada e sua capacidade de expulsar as forças da Autoridade Palestina de Gaza, em 2007, mostram que o grupo ampliou seu poderio bélico, a despeito das ações israelenses. Sua popularidade cresceu continuamente, levando-o a um excelente resultado nas eleições de 2006. Desde 2007, Gaza é controlada pelo Hamas; por isso, Israel impôs um cerco estrangulador ao território, visando causar danos ao grupo, ainda que gerando intenso sofrimento à população civil. Mesmo assim, o Hamas conseguiu provocar diversos ataques do Exército israelense (culminando na atual Operação Margem Protetora), determinando os rumos da política de segurança e defesa de Israel desde a pacificação da OLP.
Não resta prova, após esse segundo texto, que um exército poderoso ou serviços de inteligência letais são, ainda que usados juntos, ineficazes para dar fim ao terror do Hamas. Na sequência, serão abordadas as possibilidades desse objetivo ser concretizado por meio de pacificação e adesão ao processo político.
1a parte
3a parte
Carta para V.
O conflito entre Israel e o Hamas e os malucos de plantão – e de como é difícil ser moderado
Há malucos que querem fazer crer que não há um povo palestino, como Flavio Flores da Cunha Bierrenbach, em seu texto,“Palestina”, publicado há algumas semanas na Folha de S.Paulo. Escreve o autor, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar:
Não existe povo palestino. A Palestina é uma região geográfica, assim como a Patagônia ou o Pantanal.
Mereceu, como teria merecido um tapa na cara dos argumentos, a resposta que recebeu de Salem Nasser, professor de Direito Internacional da DIREITO GV que escreveu, também na Folha de S.Paulo, “O cadáver da Palestina”:
Trata-se de um tipo especial de racismo, que não se basta com representar a sua vítima como torpe, vil, traiçoeira e naturalmente orientada para a violência.
Também em resposta a Bierrenbach, Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco e do MBA da FGV (e, devo dizer, pelo que venho acompanhando, um dos comentaristas mais equilibrados nessa questão, naturalmente mais equilibrado que Nasser), escreveu, no Observatório da Imprensa, o texto “Palestina, sim!”, em que lembra:
Devemos frisar que mesmo Israel reconhece a Autoridade Palestina, seja como interlocutor nas negociações de paz ou como entidade representativa dos árabes (palestinos!) que habitam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
E há malucos, igualmente malucos, que querem fazer crer que a remoção do Estado de Israel do mapa, como já advogou um ex-presidente iraniano, seria a solução para o problema do Oriente Médio que ele claramente desconhece. É o caso de Ricardo Melo, em seu texto publicado hoje na mesma Folha, “Israel é aberração; os judeus, não”:
Inexiste solução para a crise do Oriente Médio que não inclua o fim do Estado de Israel. A afirmação é comprovada pela própria história.
Ironicamente, a solução de Ricardo Melo, que “foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil ‘Liberdade e Luta’ (‘Libelu’), de orientação trotskista”, vai na mesma direção do que defende a extrema direita israelense, em uníssono capaz de fazer corar (de raiva e vergonha) os moderados:
A saída civilizada seria a construção de um Estado único onde árabes e judeus convivam em harmonia.
Em seu blog no Estadão, Guga Chacra, correspondente do jornal em Nova York, escreveu um “Guia para entender o conflito Israel-Hamas sem precisar ler extremistas”, no qual se refere aos textos de Bierrenbach e de Melo, com sugestões bem simples. Vale a pena ler.
Dias atrás andei pensando em escrever um texto sobre a dificuldade de ser (ou tentar ser) um moderado em meio a tantos extremos – dos dois lados, como se observa nos artigos publicados pela Folha de S.Paulo relatados aqui. Confesso que de tão difícil, até esse texto me fugiu das mãos e da paciência que eu costumo ter para, didática e calmamente, explicar um conflito que não se resume em sugerir a inexistência de um lado ou o extermínio do outro.
Fico, de novo, com o Chacra, que há alguns dias publicou, em seu blog, um texto em que resume o meu sentimento. Caros extremistas, suas opiniões não vão fazer o cenário atual mudar. Israel não deixará de existir e os palestinos não passarão a ser uma ficção. A isso tomo a liberdade de acrescentar o que tenho dito e escrito Facebook afora: suas opiniões não apenas são inócuas na realidade do conflito como ajudam a importar para cá um sentimento de antagonismo entre comunidades que, quer vocês gostem, quer não, aprenderam a conviver bem. Que tal tomar o mesmo caminho?
Texto publicado originalmente no blog pessoal do autor.
Fracasso e esperança (parte 1)
A operação Margem Protetora, iniciada por Israel em 8 de julho, tem seu objetivo declarado: fazer com que o Hamas e seus similares (Jihad Islâmica, Frente Popular para Libertação da Palestina, Comitês de Resistência Popular) sejam suficientemente enfraquecidos, a ponto de não mais atacar a população israelense – ao menos por algum tempo.
O termo mais popular para definir esse objetivo, constantemente ouvido de personagens políticos e militares israelenses, é “silêncio” ou “calmaria” (sheket em hebraico). No dia em que ordenou o início da última operação, o primeiro-ministro Bibi Netanyahu fez uma declaração ao povo, por meio dos canais de televisão, onde enfatizou:
“estamos agindo para (…) retornar ao silêncio, e continuaremos (…) até que o silêncio retorne”.
Desde a Segunda Intifada, ocorrida entre 2000 e 2005, os primeiros-ministros israelenses têm realizado sucessivas operações militares para combater o terrorismo palestino, sempre declarando estar em busca de “calma”. Em 2012, na operação Pilar de Defesa, o Ministro Yuval Steinitz citou a necessidade de “silenciar” Gaza. Na Operação Iemei Teshuvá (“Dias de Penitência”), empreendida pelas Forças de Defesa de Israel entre Setembro e Outubro de 2004, já se pretendia, segundo reportagem do jornal Haaretz,
“interromper o lançamento de mísseis Qassam à cidade de Sderot e à região do deserto do Neguev”.
Entre 2004 e 2014, Gaza, o Hamas e os demais grupos terroristas palestinos foram alvo de 8 grandes operações militares israelenses, sendo que o propósito de todas envolveu a busca de “silêncio” e “calma”. Não há mais como evitar uma óbvia conclusão: Israel falhou em atingir seus objetivos. As estratégias empregadas fracassaram e seguirão fracassando. Afinal, a meta de 2004 continua sendo a meta de 2014; Grads e Qassams ainda voam em direção a Ashdod, Ashkelon e Beer Sheva. Após o fim da Margem Protetora, não esperaremos muito até ouvirmos novas sirenes, corrermos para abrigos e esperarmos o terrível som dos foguetes estourando nas redondezas. Então, como conseguir “calma” em definitivo?
O think-tank estadunidense RAND foi atrás dessa resposta. O RAND foi criado após a 2ª Guerra, inspirado no sucesso do Projeto Manhattan – que criou a primeira bomba atômica. Por lá passaram pensadores como John Nash, Henry Kissinger e Condoleezza Rice, e diz-se que lá iniciou-se a criação da Internet, dos satélites da NASA e dos computadores modernos.
Em 2008, no calor do embate entre os Estados Unidos e o grupo terrorista islâmico Al-Qaeda, pesquisadores do RAND se perguntaram: como acabar com grupos terroristas? Como esses grupos deixam de existir, ou deixam de praticar atos terroristas para atingir seus objetivos?
O RAND utilizou-se de métodos estatísticos, além de seu banco de dados com informações sobre 648 grupos terroristas que existiram no mundo entre 1968 e 2006. A pesquisa foi direcionada ao governo dos EUA, para orientá-lo a combater e vencer a Al Qaeda. Entre as diversas conclusões e descobertas do estudo de mais de 200 páginas, fica evidente como o contraterrorismo israelense seguirá falhando se mantiver sua política atual.
De acordo com o estudo, o fim de um grupo terrorista pode acontecer por 5 motivos:
- pacificação e adesão ao processo político;
- prisão ou morte dos membros do grupo por polícias ou agências de inteligência;
- derrota frente a ofensiva (guerra) de exército nacional;
- vitória ao atingir seus objetivos;
- desagrupamento e adesão dos membros a outros grupos – neste caso os terroristas costumam seguir na ativa, o que o exclui como um fim para o terrorismo.
Os resultados são um (esperado) balde de água fria na estratégia israelense: em somente 7% dos casos a derrota em guerra, como a que Bibi realiza em Gaza, causou o fim do terrorismo. A pacificação é o fim mais freqüente (43%), seguido de perto pela atuação de polícias ou serviços secretos (40%). Nos demais 10%, os grupos enxergam seus objetivos cumpridos e encerram suas atividades.
O desfecho da operação Margem Protetora já é conhecido, pois assim foi desde o fim da Segunda Intifada: Gaza em ruínas, crianças do sul de Israel apavoradas pelas sirenes e pelo trauma, centenas de palestinos inocentes mortos, famílias israelenses chorando seus filhos perdidos em combate. Também veremos o Hamas declarando-se vitorioso, provavelmente ao mesmo tempo em que Bibi e seus ministros dirão que Gaza voltou ao “silêncio” e que Israel deu um forte golpe no terrorismo palestino. Até a próxima operação, a próxima ofensiva ou a próxima guerra.
As rotineiras tentativas de desmontar o aparato terrorista de Gaza, por meio de operações militares israelenses, falharam. Os foguetes chegando a Tel Aviv e Haifa comprovam que, apesar de empobrecido e isolado, o Hamas ampliou sua capacidade bélica e seu contingente. Entretanto, encerrar a análise por aqui não indicaria o caminho para que Israel veja-se, finalmente, envolto de “calma” e “silêncio”. Nos próximos artigos, nos aprofundaremos no estudo apresentado pelo RAND e no quanto Israel conseguiu – ou não – interromper o terrorismo palestino por cada um dos outros meios destacados – pacificação e processos políticos, ação policial e de inteligência.
P.S. – É problemático abordar o fim do terrorismo palestino sendo motivado pela sua vitória, tendo em vista que os diversos grupos possuem objetivos conflitantes e, às vezes, não claramente definidos. Tais objetivos variam desde um califado islâmico em toda a região, até um Estado palestino secular e democrático nas fronteiras de 1967. O Hamas declara em seu estatuto que busca erradicar o sionismo da Palestina e implantar um Estado fundamentalista islâmico; no entanto, seus líderes já se manifestaram a favor de uma solução de dois estados (veja aqui e aqui), ou seja, reconhecendo Israel. A Fatah, por outro lado, é um movimento secular que tem cooperado amplamente com Israel nos últimos anos. Finalmente, não passa pela cabeça de ninguém (são e consciente) a possibilidade de Israel deixar de existir, ou de os palestinos deixarem de buscar um Estado independente e soberano.
2a parte 3a parte
Brasil condena Israel: a matemática da morte
Na última quarta-feira o governo brasileiro se pronunciou, classificando a violência em Gaza como inaceitável, e convocando o Embaixador do Brasil em Tel Aviv a Brasília para consultas.
O Governo brasileiro não é o único a condenar as atitudes de Israel. Várias manifestações, em diferentes países, veem sendo realizadas contra Israel, muitas delas desembocando em atos antissemitas. Nas redes sociais, não é diferente: nos deparamos com inúmeras postagens que reduzem a complexidade do conflito, transformando-o entre uma luta do bem contra o mal. Nestes discursos polarizados, de ambos os lados, o maniqueísmo utilizado nem sequer é debatido, e a ênfase fica apenas na discussão de quem é o mocinho e quem é o bandido.
A matemática da morte
Analisando-se a nota do Itamaraty, a pergunta que fica é: o que leva Israel ser considerado o grande vilão, apesar das provocações do Hamas?
A resposta parece estar na alegada desporpocionalidade do ataque israelense. De fato, os números revelam que há muito mais vítimas fatais do lado palestino. Formar um posicionamento torna-se, então, simples: um placar de vítimas aponta Israel como o principal agressor; portanto, condenamos Israel e nos solidarizamos com Gaza.
Utilizar as mortes como mero dado estatístico, transformando-as em um placar, é um desrespeito a todas as vítimas, vivas e mortas, dos dois lados desse conflito. A impressão que fica é que pelo fato de um dos lados ter “matado mais”, isenta-se o outro, que “matou menos”. Logo, nesse caso, as mortes de israelenses perdem importância. Porém, o fato de haver mais mortes de palestinos do que de israelenses não deve ser utilizado para eximir a culpa do Hamas, as práticas terroristas e a utilização de civis como escudos humanos. Mais correto seria condenar os responsáveis por práticas ilegais e crimes contra a humanidade em ambos os lados.
Tomar apenas o número de mortos para definir a gravidade de uma agressão traz ainda o risco de tornar o conflito israelo-palestino irrelevante. Isso porque o número total de mortos neste conflito é ínfimo se comparado a outros conflitos do Oriente Médio e até do Brasil. Seguindo a matemática da morte, chegaríamos não só à conclusão de que o Israel é o agressor no caso do conflito israelo-palestino, mas também àquela que afirma que o conflito é menos relevante do que outros pela inferioridade do número de mortos. O que angustia, contudo, é o fato de que os mesmos que destacam o conflito israelo-palestino entre todos os demais, de forma contraditória, utilizam os números de mortos para definir o agressor e o oprimido. Ou seja: para estes, o número de mortos se mostra válido para definir o agressor, mas não para medir a relevância do conflito.
A desumanização do soldado
Outro fator que preocupa é a desumanização dos soldados israelenses. No cálculo de mortes, a baixa de um soldado parece ser irrelevante ou ter um valor inferiror quando comparado à de um civil. Concordo com a distinção entre soldados e civis, uma vez que soldados possuem treinamento para lidar com situações de conflito – tanto para se defender como para atacar -, ao passo que civis são totalmente despreparados e desprovidos de quaisquer artefatos, seja para se defender ou para atacar. A farda de um soldado, contudo, não o faz menos humano que um civil, e, portanto, sua morte também deve ser lamentada. Soldados israelenses foram colocados em linha de fogo em uma ação militar do governo cujo objetivo é defender os civis do país, e não massacrar os civis palestinos. Concorde-se ou não com a ação, soldados não devem ser considerados vilões.
Israel e Hamas: Homicídio culposo x tentativa de homicídio
Obviamente, por mais que o alvo de Israel não sejam os civis palestinos, erros acontecem. Israel bombardeia Gaza, o Hamas utiliza civis palestinos como escudos humanos, e o resultado é o que vemos nos noticiários: morte de civis palestinos.
Do outro lado, temos o Hamas lançando mísseis a Israel constantemente, cujo alvo são, neste caso, civis israelenses. Porém, abrigos e o sistema antimíssil de Israel (Iron Dome) contribuem para que os mísseis do Hamas não atinjam seus objetivos.
De forma atrevida, poderíamos traçar um paralelo com o direito penal: as ações de Israel contra os civis em Gaza seriam algo próximo do homicídio culposo, isto é, sem dolo, sem intenção de matar. No caso do lançamento de mísseis do Hamas contra Israel, comete-se algo próximo à tentativa de homicídio, em que há a intenção de matar, mas se é incapaz de executar.
Apenas a título de curiosidade, segundo o Código Penal Brasileiro, a pena para homicídio culposo é de 1 a 3 anos de detenção, enquanto a pena para tentativa de homicídio é de 2 a 13 anos e 4 meses de reclusão.
Considerações finais
Não escrevo com a audácia de dizer a verdade sobre o conflito para provar quem é mocinho e o bandido. Escrevo com o objetivo de apresentar uma reflexão de que esse conflito não deve ser simplificado. Discursos polarizados e condenações a apenas um lado, tal como fez o Itamaray, não ajudam no entendimento das questões que estão em jogo. É importante nos solidarizarmos com as mortes de ambos os lados e criticarmos os responsáveis de ambos os lados, deixando o maniqueísmo de lado e procurando entender melhor o que está ocorrendo.
Israel e Hamas: as vítimas, os algozes e os líderes
Tenho lido muitas opiniões – algumas publicadas na imprensa israelense, brasileira e internacional, outras em intermináveis e cansativas discussões pelo Facebook – sobre o que está acontecendo neste momento naquele canto do Oriente Médio que já teve o nome de Palestina e hoje abarca Israel, Cisjordânia e a Faixa de Gaza, especialmente. Tenho notado, pelas discussões e pelas perguntas que me fazem, uma confusão enorme sobre aquela região e os episódios recorrentes de violência entre palestinos e israelenses, para ficar apenas ali…
Trata-se de um conflito muito mais antigo do que a criação do Estado de Israel, em 1948, como alguns tentam fazer acreditar, o tempo todo… Além disso, é um imbróglio que tem a característica peculiar de, como alguns outros na história mundial, se repetir em ciclos.
O ciclo atual é de um confronto entre Israel e o grupo palestino Hamas, que tomou a Faixa de Gaza em 2007 à força, em um episódio que, segundo a Cruz Vermelha, deixou 118 mortos e mais de 550 feridos. O Hamas venceu as eleições parlamentares palestinas em 2006, um ano antes, e não teve sucesso para formar um governo de coalizão e, especialmente, para conquistar o apoio (financeiro, sobretudo) da comunidade internacional. O resultado foi uma escalada da violência com o grupo rival, o Fatah, com o qual, recentemente, firmou uma reconciliação.
Para que se tenha uma ideia de quão repetitivos são esses episódios, eles aconteceram nos mesmos moldes, com algumas pequenas diferenças, pelo menos duas outras vezes: em novembro de 2012 (operação Pilar de Defesa) e no final de 2008 (operação Chumbo Derretido). Em comum, eles têm o fato de que Israel, de um lado, e o Hamas, de outro, trocam mísseis e acusações, em um ciclo que parece interminável.
Algumas das diferenças: em 2008-9 (o conflito se estendeu ano novo adentro) houve uma incursão terrestre do Exército de Israel em Gaza, opção que não está descartada neste ciclo mas ainda não ocorreu. Como consequência, o número de mortos foi muito maior, dos dois lados (entre 1,1 mil e 1,6 mil, de acordo com a fonte). Em 2012, quando 2,3 mil mísseis foram disparados contra Israel, o Egito era governado por Mohamed Morsi, líder da Irmandade Muçulmana, grupo islâmico em que o Hamas, criado em 1987, tem suas origens.
O cenário, enquanto você lê este texto, é o seguinte. Em Israel governa uma coalizão de direita, sob a liderança do premiê Binyamin Netanyahu, e com extremistas como Naftali Bennet, que é contrário à criação de um Estado palestino, e como Avigdor Lieberman, que esses dias defendeu uma ação “até o fim” contra o Hamas, incluindo a retomada da Faixa de Gaza, da qual Israel retirou 8,5 mil colonos e a presença militar em 2005. Danny Danon, vice-ministro da Defesa, também linha-dura e controverso, foi afastado por Netanyahu depois de criticar a forma com a qual o governo estava conduzindo a operação.
Na Faixa de Gaza, Ismail Haniyeh é o líder político do Hamas. Curiosamente, três irmãs dele vivem no sul de Israel, como cidadãs do país. Mohammed Deif é o chefe do braço armado do grupo. O líder do braço político, Khaled Mashal, vive atualmente no Catar, e mesmo antes da onda de violência, estava em Damasco (de onde saiu em meio à guerra civil na Síria, que já matou mais de 170 mil pessoas em quatro anos). Um dos principais líderes do grupo no território, Mahmoud al-Zahar, teve sua casa destruída nos bombardeios de Israel, mas não estava no local no momento.
No Egito, depois da deposição de Mursi, no ano passado, e de novas eleições, governa Abdel Fattah el-Sisi, militar alinhado a Hosni Mubarak, ditador que presidiu o país por mais de 30 anos e deixou o poder em 2011, em meio à Primavera Árabe. Sisi tenta recuperar a capacidade de mediação que o Egito tinha com Mursi. Ditador anti-religioso e nacionalista, ele se posiciona contra o Hamas e, mesmo sem despertar confiança entre os palestinos, propôs um cessar-fogo entre o grupo e Israel.
Chegamos, então, ao ponto central deste texto. Com a proposta egípcia, o episódio atual do conflito correu o risco de fugir das previsões. Netanyahu, mesmo pressionado internamente para manter a ofensiva, aceitou a trégua e a colocou em vigor, suspendendo os ataques contra a Faixa de Gaza. O Hamas, entretanto, chamou o cessar-fogo de “piada”, por meio de um porta-voz, discutiu a proposta de forma interminável e não deu nenhuma resposta uníssona, retomando os disparos contra Israel, que respondeu dizendo que, diante dos ataques, não resta outra opção senão ampliar a operação contra o grupo.
Aqui, duas observações finais. Primeiro, que em meio disso tudo, sofrem os palestinos. Os israelenses também sofrem, mas bem menos, protegidos por um avançado e preciso sistema antimísseis e com a vantagem de ter para onde correr nos cerca de 15 segundos quando soa a sirene avisando a iminência de um míssil. Os palestinos, esses sim, sofrem de verdade, com mortos, feridos, casas e hospitais destruídos e, sobretudo, um futuro destroçado. E quem são os algozes dos palestinos? O senso comum diria que é Israel, que é quem ataca. Mas o verdadeiro algoz é o Hamas, que, mesmo enfraquecido e isolado, mantém os ataques sabendo da retaliação e ainda usa a população civil na Faixa de Gaza como escudos, ao disparar de dentro de mesquitas e de perto de escolas e ao dizer à população que permaneça mesmo tendo sido avisada sobre ataques iminentes de Israel. É o Hamas que impede a entrada ou confisca ajuda humanitária no território. É do Hamas que os palestinos precisam cobrar sua libertação.
Segundo, que Israel perdeu a chance de quebrar a rotina exaustiva desse conflito. Ao aceitar a trégua, mudou o jogo: mostrou que apesar de deixar de disparar contra Gaza, segue sendo atacada por extremistas do Hamas. Houve condenações dos bombardeios de Israel mesmo entre governos aliados, como Londres, Paris e Washington. A morte de palestinos civis é condenável em qualquer aspecto e em qualquer cenário, mesmo quando usados como escudos humanos. Depois, ao ser bombardeado novamente em meio à trégua, Israel cedeu às pressões enquanto deveria ter demonstrado contenção e, quiçá, ter fomentado um diálogo entre os palestinos. Perdeu a chance de mudar as coisas e de evitar mais mortes. O número já supera 190.
Texto publicado originalmente no site Brasil Post.
A coalizão de direita que governa Israel e o Hamas dependem um do outro para se manter no poder
Fiquei por um tempo na dúvida se escrevia e compartilhava algo sobre o assunto ou não. O que me motivou no fim foi ver, à minha volta, que muito se fala sobre o que está acontecendo, mas sentir também que há muito um uníssono ou então, como muitas vezes acontece, uma visão um pouco superficial sobre a questão.
Antes de tudo, eu também sou completamente contra e fico indignado em relação à violência arbitrária praticada por forças de um Estado contra populações civis e à consequente morte de pessoas que não tem como se defender, seja se essas pessoas vivem em Gaza, na Síria, ou nas periferias de grandes metrópoles no Brasil. Sobre os ataques à Gaza, é revoltante também o uso completamente desproporcional de forças, o fato de se dar em uma região já gravemente afetada pelo cerco e restrições de diversas ordens impostas sobretudo pelo Estado que está atacando, e de não haver ali nem mesmo forças militares constituídas para responder aos ataques. Ainda assim, resolvi compartilhar minha opinião sobre um ponto sobre o problema, opinião essa que (como qualquer opinião) pode estar errada e é passível de ser criticada.
O meu ponto é que esse conflito que está acontecendo atualmente interessa e fortalece sobretudo dois grupos: a coalização de direita que governa Israel já faz um bom tempo e o Hamas, grupo que detém o poder em Gaza já faz uns anos.
A coalizão de direita que governa Israel é composta pelos setores mais conservadores de lá, tendo muita força os religiosos e os nacionalistas radicais. Boa parte desses setores explicitamente se opõe a qualquer saída justa para o conflito em relação aos palestinos, seja a saída de dois Estados, seja a de um Estado binacional ou qualquer outra em que as pessoas que moram ou que querem morar ali naquela região possam viver e conviver com direitos iguais. Enfim, defendem, resumindo, um Estado judeu, a expansão dos assentamentos, a anexação de territórios, a restrição dos direitos dos árabes e demais minorias etc. Essa coalização de direita depende bastante para estar no poder de um discurso baseado no medo, na insegurança, na necessidade de defesa, no militarismo, e no não reconhecimento do outro de forma geral (de seu direito de existir, de viver na terra que deseja, de manter suas crenças e cultura e conviver com os outros com direitos iguais). Não à toa, é necessário guerras frequentes pra legitimar esse discurso, muitas vezes explorando casos de mortes de israelenses ou de atentados, e promovendo uma reação completamente desproporcional.
Do outro lado, o Hamas, um grupo fundamentalista religioso de direita que defende a criação de um Estado islâmico, que administra Gaza. Trata-se também de um grupo que se opõe a qualquer saída aceitável para o conflito, que defende a luta armada e a destruição do inimigo, que inclusive foi bastante responsável pelo rompimento por vários anos com o grupo Fatah, contribuindo para a divisão dos palestinos. É também um grupo que para se manter no poder depende de um discurso de violência e de não reconhecimento do outro (de seu direito de existir, de viver na terra que deseja, de manter suas crenças e cultura e de conviver com os outros com direitos iguais).
O ponto que eu queria trazer é que eu acho que a coalizão de direita que governa Israel e o Hamas dependem bastante um do outro para se manter no poder, pois a existência de um alimenta o discurso de ódio promovido pelo outro. Esse tipo de conflito que está acontecendo agora, trágico para a população civil, sobretudo a de Gaza, interessa e fortalece esses dois grupos. E acho que enquanto eles estiverem no poder, infelizmente, é difícil vislumbrar uma resolução para o conflito.
Adendo
Esse texto originalmente foi um post no Facebook. A ele se seguiu um comentário questionando a responsabilidade da população israelense no conflito e também na morte de civis inocentes em Gaza. Surgiu a preocupação de se colocar a responsabilidade unicamente nos governantes, eximindo assim a população que no fim das contas sustenta esse Estado. Isso poderia gerar uma visão passiva de que nada pode ser mudado pois afinal a culpa é dos governantes. Respondi o comentário dizendo que a população é responsável sim a partir do momento que elege seus governantes. Se não dá pra afirmar que ela é diretamente responsável pelo massacre, é no mínimo conivente. Tive a preocupação também de discutir brevemente a palavra genocídio que muitas vezes é usada para se referir ao que está acontecendo, mas que acho que é importante uma certa ressalva. Como exemplo mencionei que a taxa de homicídio no Brasil, e o número de mortos por agentes de Estado aqui, sobretudo negros (comparável em termos numéricos ao que acontece lá), também poderia ser chamado de genocídio. Entretanto, parece que se dá muito menos atenção a isso que acontece bem mais perto de nós. Por fim, foi enfatizei a importância, sim, de se mobilizar e lutar para que a realidade mude. Mas que, para isso, é bastante importante entender as forças que estão em jogo.
Reflexões dinâmicas, escritas em Israel
Minha vinda a Israel se construiu a partir de uma indicação para um Seminário Internacional de Diálogo entre Educadores para Israel. Hoje, no meu último dia de estadia nesse país, posso afirmar que os quatro conceitos básicos trabalhados ao longo do seminário – Educação, Israel, Identidade, e Judaísmo – também perpassaram meus dias fora do Seminário. Nesse sentido, esses conceitos deixaram de ser definições estáticas e passaram a ser reflexões dinâmicas, que dão a possibilidade de ser mexidas e remexidas, com o intuito quebrar o “lugar em que temos razão” e dar a oportunidade de “flores crescerem”¹.
Primeiro, gostaria de refletir sobre a educação. Ao lidar com a educação, não me refiro exclusivamente ao processo escolar, mas sim à formação constante de relações entre um ou mais seres humanos, que representam sua comunidade a partir de uma vida escolhida e construída, na qual ambos alteram a sua percepção de mundo. Nesse sentido, me parece que a educação sobre Israel, sobre Identidade, e sobre Judaísmo está sendo deixada para trás, e no seu lugar está aparecendo a busca pela informação e pela opinião imediatista. Os jornais, detentores de um poder de compartilhamento de informação, assim como o Facebook, plataforma pessoal de compartilhamento de opiniões, aparecem nos difíceis dias de conflito como impulsionadores de uma polarização. Ou se é a favor de Israel, ou dos Palestinos. Ao pensarmos dessa maneira a educação é jogada no lixo. É preciso colocar luz naqueles que questionam os números de mortos se não aparecem nas pesquisas os mortos do outro lado, é preciso colocar luz naqueles que buscam entender os interesses políticos e econômicos dos seus próprios líderes governamentais, é preciso colocar luz naqueles que exibem seu humanismo sem medo de serem considerados traidores do seu próprio povo.
Nesses dez dias que passei aqui, a minha percepção é que Israel está dividida em 3 regiões que lidam de maneira diferente com o conflito, e que para além do território israelense, os moradores de Gaza estão no inferno.
Jerusalém
A região de Jerusalém foi a primeira região que eu tive contato. Essa região é única, pois é uma região de “Fanáticos”². Foi em Jerusalém que, após o descobrimento que os três jovens judeus sequestrados na região de Hebron³ estavam mortos, seis jovens judeus colocaram fogo em um palestino. A partir disso, a cidade se tornou um território de luta política e social entre grupos que acreditam no Diálogo como solução e outros que acreditam na violência. Participei em uma caminhada contra a violência, contra os racistas, e contra a definição de que palestinos e israelenses são, necessariamente, inimigos. Ao longo dessa passeata, a quantidade de gente que vinha discordar de nós e gritar contra os palestinos foi assustadora, como vocês podem ver no link de um filme que fizeram. Além disso, Jerusalém*4 também esta sofrendo com os Alarmes, que tocam para avisar a necessidade de chegar em um lugar protegido, em um minuto e meio. Nesse quesito, Jerusalém se iguala com a região central do país e parte da região norte.
Região central
As pessoas das áreas que estão sendo atingidas por foguetes tem plena confiança em um sistema ultra-teconológico (e diga-se de passagem que custa milhões de dólares) desenvolvido por Israel, que calcula a rota e envia um míssil para destruir os foguetes. Com essa confiança ontem eu acordei ao escutar um alarme e me distanciar das janelas do apartamento, que estou em Tel Aviv, para esperar o barulho do míssil encontrando o foguete. A vida das pessoas nessas regiões não se alteram, e é por isso que a minha divisão incluiu a região do Sul como uma região específica.
Região Sul
Não me motiva compartilhar quantos foguetes já caíram nessa região, mas, por causa da ordem de grandeza desse número a vida das pessoas que lá se encontram parou. Agora, em Israel, é época das Férias de Verão, mas, se seus filhos tem quinze segundos (pela proximidade geográfica, lá o tempo é menor) para alcançar um local seguro e a cada dez minutos (ou menos) soa o alarme, aonde eles irão passar seus dias livres? No bunker. É assim que os moradores do Sul de Israel enfrentam seus dias e temem suas noites.
Gaza
Por fim, uma realidade que não há palavras para entender: a realidade de Gaza. Os moradores de lá não contam com um governo que os proteja e que gaste dinheiro com uma estrutura de proteção, os moradores de lá estão sob domínio do Hamas. Pior do que uma sociedade onde é cada um por si, é uma sociedade em que os fanáticos que estão no poder te colocam no meio de um conflito no qual quem perde a vida é você. Os moradores de Gaza perdem suas vidas por serem vítimas do Hamas, e a comparação entre o número de mortos lá e em Israel não é um argumento que eu utilizarei. A perda de vidas inocentes deve ser rechaçada, a utilização de uma estratégia militar para solucionar o conflito deve ser criticada, não importa a onde for. Se hoje eu acordei com a música de pássaros cantando e consigo acreditar que a paz está por vir, eu não consigo imaginar como os moradores de Gaza acordaram, será que eles conseguiram dormir?
Considerações finais
Vivendo em um mundo pós-moderno, no qual a tecnologia alcançou níveis antes inimagináveis, no qual a globalização alterou sem volta a nossa capacidade de nos conectar, no qual já não existe economia desligada do que acontece no outro pólo do mundo, no qual artistas são interurbanos, interestaduais, internacionais, é preciso voltarmos a nos identificar como seres humanos. Ao nos distanciarmos das polarizações que só existem nos contos de fadas, nos aproximamos de uma complexidade difícil de entender, que dá trabalho compreender, e que talvez seja impossível absorver. Assim, faz sentido os conhecimentos judaicos na procura por uma estabilidade na raíz e não na riqueza de seus frutos , e também os ensinamentos judaicos*5 de que ao tratar o outro como você gostaria de ser tratado*6, há a abertura para um diálogo entre Eu e Tu*7, e apenas assim a sinceridade de opiniões pode construir um futuro melhor.
1 Expressões do Poema de Yehuda Amichai “Do lugar em que temos razão”.
2 Expressão de Amós Oz “Between Right and Right: How to deal with Fanatics”.
3 http://www.conexaoisrael.org/olho-por-olho/2014-07-02/claudiodaylac
4 http://www.conexaoisrael.org/nao-passarao/2014-07-11/marcos
5 Pirkei Avot, Capítulo 3, Versículo 17: “Rabi Elazar ben Azaria disse: Se não há Torá, não há conduta social adequada; se não há conduta social adequada, não há Torá. Se não há sabedoria, não há temor [a Deus]; se não há temor [a Deus], não há sabedoria. Se não há conhecimento, não há entendimento; se não há entendimento, não há conhecimento. Se não há farinha [sustento], não há Torá; se não há Torá não há farinha. Ele costumava dizer: A pessoa cuja sabedoria excede suas [boas] ações, a que ele é comparado? A uma árvore cujos galhos são numerosos porém suas raízes são poucas, e o vento vem, arranca-a e vira-a de cabeça para baixo, conforme foi dito: E será como árvore solitária em terra árida e não verá quando chega o bem; habitará em terra seca no deserto, em salina inabitável. Mas aquele cujas [boas] ações excedem sua sabedoria, a que ele é comparado? A uma árvore cujos galhos são poucos mas cujas raízes são numerosas, de modo que mesmo que viessem todos os ventos do mundo e soprassem sobre ela, não conseguiriam movê-la de seu lugar; conforme foi dito: E ele será como uma árvore plantada junto às águas, que estende suas raízes até a correnteza, não sentirá a chegada do calor, e sua folhagem será rejuvenescida; no ano de seca não se preocupará, nem deixará de dar fruto.”
6 Levítico, Capítulo 19, Versículo18: “(…) amarás o teu próximo como a ti mesmo. (…)”
7 ” A palavra-princípio EU-TU só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A união e a fusão em um ser total não pode ser realizada por mim e nem pode ser efetivada sem mim. O EU se realiza na relação com o TU; é tornando EU que digo TU.” Buber, Martin. Eu e Tu. Editora Moraes, 1974. São Paulo.
Texto publicado originalmente no site Amaivos.