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Jerusalém não é de ouro

São 7 horas da manhã de uma segunda-feira na cidade velha de Jerusalém. No Muro das Lamentações, local mais sagrado para os judeus de todas as partes do mundo, mais de 150 mulheres rezam do lado destinado a elas em um muro dividido por gênero. Parece uma manhã qualquer, mas não é. Não para os ultra-ortodoxos, nem para a polícia israelense. E muito menos para essas mulheres.

Há 24 anos, no começo de cada mês do calendário judaico, mulheres da ONG Women Of The Wall (Nashot HaKotel) reúnem-se no mesmo horário e local para rezar e, consequentemente, passar a mesma mensagem: queremos liberdade religiosa. Durante esses mesmos anos, sempre enfrentaram problemas com o Rabinato local, que considera ofensivo mulheres rezarem usando Talit (vestimenta de oração), e pior, que conduzam essas orações sem a presença de um único homem. Ultraje para o mais puro judaísmo.

A diferença desta manhã para todas as outras é que o Women Of The Wall foi acompanhado de seis paraquedistas que liberaram o muro do domínio Jordaniano na guerra dos Seis Dias, em 1967. Pouco antes do evento, a página do Facebook da ONG afirmava: “esses heróis israelenses acreditam fortemente que devem apoiar nosso movimento na luta pela libertação religiosa do Muro das Lamentações. Esse momento histórico é imperdível!”

O Muro está lotado. De acordo com a organização, é o maior número de participantes já visto em duas décadas de manifestações, incluindo os homens do outro lado do muro. Sinto que estou no local e no momento certo: a imprensa internacional se faz presente, e em peso. Eles sabem que o circo está prestes a pegar fogo.

Ao entrar pela segurança, os talitot das mulheres são confiscados pela polícia. Alguns dos homens entram escondidos com a vestimenta e as passam através da barreira de separação de homens e mulheres no muro, como se fossem mercadorias contrabandeadas.

Durante todo o evento, policiais femininas gravam cenas das mulheres participando do serviço religioso. Tirando esse fato curioso, tudo parece correr bem. Até aquele momento, a polícia não interviu. Eles apenas observam as mulheres colocarem seus talitot, recitarem orações em voz alta e dançarem em roda, todas de mãos dadas. Nos últimos meses, esses mesmos atos foram suficientes para a prisão de muitas delas.

Em certo momento, um policial aborda três mulheres que estão usando talitot e pede para elas o seguirem. Elas se recusam, sentam no chão e se dão os braços. A polícia, provavelmente refreada pela  imprensa presente, não faz nada.

Foto: Gabriela Korman

Já são quase 9 horas da manhã no local mais sagrado para os judeus. Uma moça jovem e grávida participante do movimento dá uma entrevista para um canal de televisão celebrando o fato de que essa foi a primeira vez em 22 meses que ninguém foi preso durante a manifestação. O público começa a se dispersar, assim como grande parte da imprensa.

Eu já me encaminho para sair do local, quando vejo a polícia prender diversas mulheres que estavam rezando de Talit. Eles esperaram centenas de participantes, os paraquedistas famosos e a maioria dos jornais irem embora para começarem a ação.

Foto: Michal Fattal

Em depoimento ao jornal Haaretz, o porta-voz da polícia de Jerusalem Shmuel Ben-Ruby confirmou que as mulheres foram presas por usarem Talit, especialmente por serem, segundo ele, “de estilo masculino”. A polícia libera o uso de talitot coloridos, que são considerados “femininos”, ao contrário dos “masculinos”, que são azuis e brancos ou pretos e broncos.

A Suprema Corte de Israel decretou em 2003 que os visitantes do Muro devem “respeitar os costumes”, entretanto, não há nenhuma lei específica sobre os tipos adequados de Talit. De acordo com o Rabino do Muro das Lamentações, Shmuel Rabinovich, um conselho liderado pelo chefe do Rabinato de Israel determinou os costumes locais em 1967, quando o Muro ficou sob domínio israelense.

“Eu rezo no Muro das Lamentações há 24 anos. Eu sou o costume local. O Women of The Wall é o costume local, mas ao mesmo tempo, nunca será”, disse Annat Hoffmann, presidente do Women of The Wall e uma das dez mulheres presas após o evento.

Ao final da cena, Ilon Bartov, um dos seis paraquedistas presentes apoiando o evento, lamentou: “É inaceitável que a polícia esteja prendendo mulheres por usarem Talitot. Isso parece o Irã. Não consigo acreditar que eles estão impedindo pessoas de rezarem da maneira que elas querem”.

Ao sair da cidade velha de Jerusalém, tive a sensação, e não pela primeira vez, de estar dentro do livro de George Orwell, Revolução dos Bichos: Todos somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

Ensaio fotográfico

Praça Itzhak Rabin, em Tel Aviv.

Prefeitura de Tel Aviv – Yaffo.

Trem em Jerusalém.

Cemitério Theodor Herzl, em Jerusalém.

Cemitério Theodor Herzl, em Jerusalém.

Assentamento judaico na Cisjordânia.

Shuk árabe, em Jerusalém.

Cartão postal, em Jerusalém.

Ponto de trem, em Jerusalém.

Hotel Palestine, em Jerusalém.

Yad Vashem Museum, em Jerusalém.

Shuk árabe, em Jerusalém.

Akko.

Canion Center, em Haifa.

Marina, em Tel Aviv.

Tel Aviv.

Tel Aviv.

 

Welcome to Ghost Town

Em Hebron (cidade no sul da Cisjordânia), fizemos um tour pela rua paralela à rua principal, a Al-Shuhada Street, na região do que costumava ser o maior Suq (feira) da Cisjordânia, Palestina, aqui algumas lojas ainda estavam abertas, mas tudo bem vazio. Um frio do cão e chuva gelada acompanharam o grupo neste dia. O guia, natural de Hebron, nos contava como foram chegando os colonos e expulsando os moradores de suas casas e impossibilitando que circulassem por partes da cidade, o que fizera com que varias famílias tivessem que abrir passagem pelo teto de suas casas para poder sair. Mostrou alguns dos pontos onde a casa de baixo é de uma família palestina e o andar de cima virou um assentamento ilegal ocupado por judeus israelenses. Na rua, o que separa as duas é uma tela colocada por alguma das equipes de ajuda humanitária (ajuda?? humanitária???) para proteger os moradores da cidade das pedras e de outros objetos atirados pelos colonos. No trecho onde paramos para ouvir essa explicação, tinham atirado um bloco de concreto quase do meu tamanho, o bloco chegou a rasgar a tela de proteção, mas não caiu no solo. Ficou ali entalado! Um símbolo que gritava: não ache que é tranquilo circular por aqui, vá embora! Mas até aí, o bloco é quase uma cócega perto da quantidade de símbolos, placas, leis e etc. que dizem isso a população local, não só em Hebron… Em todo território da Autoridade Palestina e dentro de Israel.

Tela protetora sobre rua em H2 (Plínio Zuni).

Chegamos a entrada da Shuhada Street, duas componentes do grupo não puderam entrar, pois estavam sem seus passaportes e o nosso guia se despediu de nós, pois a ele é proibido entrar ali por ser palestino. Nós como um grupo de internacionais, como são conhecidos por aqui os estrangeiros, temos a chance de circular dentro desta área da cidade. Hebron esta dividida em dois, entre H1 e H2 conforme aparece no mapa abaixo.

Mapa das áreas H1 e H2 em Hebron (OCHA/UN).

Toda a área de H2 tem acesso restringido por checkpoints que controlam a entrada e saída. Para entrar em H2 passamos por um checkpoint, fiquei por última na fila para assegurar que todo o grupo entrasse junto, pois mesmo antes de entrar já estava uma sensação tensa, vários pontos de observação de soldados do alto por todo o caminho que beirou a divisão de H1 e H2. Acho que foi o último momento deste tour que consegui me preocupar com ser coordenadora do grupo. Entramos em H2 do lado da Mesquita de Ibrahim, conhecida para os judeus como Mearat Hamachpela, lugar onde supostamente estão enterrados os patriarcas e as matriarcas. Decidimos entrar rapidamente na mesquita. Logo antes da entrada um dos coordenadores explica que os colonos tem uma entrada separada para eles e estão sempre acompanhados de soldados empunhando armas – assim que ele termina a frase vemos dois homens, facilmente reconhecíveis como judeus ortodoxos, por suas roupas, saindo da mesquita acompanhados por um soldado com a arma na mão. O coordenador segue explicando que para entrar na mesquita se pede que tirem os sapatos e que os colonos se negam a fazê-lo e por isso tiveram que arranjar tapetes que colocam quando os colonos vem visitar as tumbas. Tivemos que passar um controle de segurança, mais um checkpoint, para entrar na mesquita pela entrada dos muçulmanos controlado por soldados israelenses. A entrada dos colonos é livre.

Dentro da Mesquita o silencio me impactou, mas as tumbas em si só me deixaram frustrada. Se por um lado racional posso compreender que crenças e símbolos concretos são importantes para pessoas religiosas, por outro me dá muita raiva pensar que caixas de concreto servem de desculpa para atrocidades!

Um dos coordenadores nos mostrou as marcas das balas deixadas por Baruch Goldstein, um colono que abriu fogo dentro da mesquita em 1994, que feriu 100 e matou 29 pessoas.

Saímos da mesquita e o frio apertou. A rua vazia. Começamos a caminhar na direção da Shuhada Street,e algumas lojas abertas me chamaram a atenção. Explicam me que os donos das lojas não podem atravessar esta rua, tem um posto de soldados do outro lado da rua… não entendi. Nesta rua, palestinos andam de um lado, o lado sem calçada, sem acabamento e estreito, enquanto os judeus andam do outro. Meu corpo todo se enrijeceu, parecia que alguém tinha colocado um bloco de concreto no meu estômago! Duas meninas palestinas com suas mochilas vinham andando do seu lado da rua. Eu pensava em minha vó e em judeus andando no gueto.

Seguimos em frente e o bloco não me deixou. Parecia que eu inteira havia virado concreto, um mal estar que não tenho referência, não sei se alguma vez senti isso antes, eu me arrastava para seguir. Entramos na famosa Shuhada Street, uma das rua em que os palestinos são proibidos de circular – todas as lojas fechadas, nos apartamentos em cima das lojas, vazios também, alguns resquícios que uma resistência anterior deixou.

Cartaz pendurado em varanda na Shuhada Street (Plínio Zuni).

Do outro lado da rua, o maior cemitério da cidade por onde as famílias tem que dar a volta por fora de H2 para poderem visitar os seus mortos. No cemitério, vimos dois meninos que vinham nos acompanhando durante todo o tour tentando vender umas lembrancinhas, eu tinha percebido que tinham sumido, achei que haviam desistido… Não! eles não podiam passar com a gente pelo checkpoint, gritavam do cemitério:

Welcome to Ghost Town!

Nesse ponto eu já não conseguia ouvir mais nada, estava com dificuldade de respirar, parecia que o ar estava ralo.
Passamos em frente a uma série de painéis coloridos onde os colonos explicam por que eles acham que tem um direito histórico para fazer o que estão fazendo ali. Não consegui ler…

Ainda queriam mostrar as ruas em que só os palestinos podem andar e a escada que tiveram que construir para as crianças poderem chegar na escola, pois a rua principal é proibida para elas.

Eu queria sair dali! Gritar! Chorar!

Mas fui com o grupo me arrastando, subimos as escadas e finalmente os meninos que queriam nos vender coisas puderam se juntar ao grupo, nos mostraram a famosa pichação “Gas the Arabs” e demos a volta. Neste momento, mesmo se o grupo não tivesse se direcionando para sair de H2, eu teria saído sozinha…

Mais uma informação antes de passar por um checkpoint que tem uma placa proibindo judeus de passarem, não colonos, não israelenses, mas judeus! Nesta placa, mais uma evidencia de quão absurdo este sistema político é!

E pra completar: comentam que é por este checkpoint, o que estávamos prestes a cruzar para sair de H2, que as crianças entram para irem à escola e que há alguns anos conseguiram um acordo para que não revistassem suas mochilas. Ainda assim, este acordo não é respeitado e os soldados revistam até as mochilas das crianças de cinco anos.

Sobre Hebron:

Hebron foi dividida em H1 e H2 em 1997 – H1 está sob administração da autoridade Palestina e H2 sob controle militar israelense, sendo esta área habitada por 30.000 palestinos e aproximadamente 500 colonos israelenses. Em 1994, a rua principal do mercado, Al Shuhada Street, foi fechada por ordem militar israelense.

Dois anos sem Mubarak

Manifestantes gritando slogans e acenando bandeiras nacionais na Praça Tahrir, no Cairo.

No dia 11 de fevereiro de 2011, o então presidente do Egito Hosni Mubarak renunciou ao seu posto. Frente aos protestos ocorridos principalmente na Praça Tahrir, no Cairo, a queda de Mubarak foi um dos ápices da chamada Primavera Árabe.

A Primavera Árabe ganhou palco nos jornais e universidades do mundo inteiro por representar uma onda política revolucionária no Oriente Médio. Sendo de imensa particularidade em cada um dos países palcos deste evento já histórico, teve início em 2010 e ainda não chegou a um fim. Em alguns casos, nada mudou. Em outros, a luta continua.

Desde a renúncia do antigo presidente, o Egito passou por um governo militar provisório, teve suas primeiras eleições parlamentares democráticas e, enfim, em junho do ano passado, seu primeiro presidente eleito pelo povo. Uma eleição assistida por delegados da ONU, marcada por uma série de incertezas e, principalmente, por uma enorme divergência de opiniões políticas a respeito de qual deveria ser o novo partido a frente da República. Para conseguir uma real mudança em seu país, mais de um milhão de pessoas foram às ruas no Cairo. Só que este número não representa uma força significativa em uma região composta por mais de 80 milhões de habitantes.

Dois anos depois e os protestos continuam na Praça Tahrir e em frente ao Palácio Presidencial. O segundo aniversário da queda de Hosni Mubarak foi marcado por atos populares contra o governo de seu sucessor e atual presidente Mohammed Morsi. As Forças Armadas responderam espalhando gás lacrimogêneo dentre os militantes. O objetivo era dispersar algumas centenas de cidadãos que tentaram invadir o Palácio através da barreira de arame farpado que o protege. Algumas pessoas gritavam o desejo de derrubar o regime, enquanto outras atiravam pedras. Nas paredes encontram-se inscrições em grafite com uma palavra: “Erhal” (“Vá Embora”), o mesmo slogan utilizado nas manifestações de janeiro e fevereiro de 2011 direcionadas a Mubarak.

Nos últimos dias ocorreram diversas manifestações. Um homem mascarado bloqueou a passagem de trens na Estação Central do Cairo e uma dúzia de manifestantes parou o trânsito com pneus em chamas em um dos principais viadutos da cidade. Centenas de pessoas protestaram em frente ao escritório do promotor-chefe do Egito, demandando justiça pelos manifestantes mortos pelas Forças Armadas desde a subida de Morsi à presidência.

Mohammed Morsi representa a Irmandade Muçulmana, o grupo mais forte de oposição durante o governo Mubarak. No entanto, as queixas dos manifestantes nas ruas do Cairo e de Alexandria são de que pouco ou nada mudou nos últimos dois anos, acrescentando ainda um aumento na violência contra civis. As manifestações apresentam insatisfação em relação à estagnação econômica – resultante de uma rivalidade política entre o bloco Islamista conservador e sua significativa oposição secular – e à tentativa do atual presidente em monopolizar o poder, ignorando as demandas dos grupos liberais, principais participantes das manifestações. Muitos protestam também por uma emenda à nova constituição egípcia. O argumento é de que o partido islamista teria se apressado no processo de aprovação da nova Carta Constitucional apesar da falta de acordo com a oposição. Como resultado, criou-se uma carta que mina liberdades de expressão e de crença e desvaloriza os direitos das mulheres egípcias.

Morsi tem repetidamente negado as acusações, culpando a oposição e possíveis partidários de Mubarak de tentarem destruir o governo de um presidente eleito democraticamente. Após sete meses na presidência do Egito, a popularidade de Morsi caiu cerca de 50% de acordo com o pesquisador Magued Osman do Egyptian Center for Public Opinion Research. A pesquisa foi feita através de entrevistas pelo telefone e possui uma margem de erro inferior a 3%.

“Estamos aqui para que Mohammed Morsi, o ditador, saia. Ele é simplesmente tão ruim quanto Mubarak, senão pior”, disse Doaa Mustafa – dona de casa de 33 anos – em entrevista ao jornal israelense Haaretz, alegando estar disposta a permanecer protestando nas ruas até que Morsi renuncie, assim como Mubarak o fez.

Dois anos de manifestações, conquistas e derrotas e a luta por um Egito mais democrático continua. O termo histórico para “revolução” significa de forma geral uma grande mudança na ordem existente. O Egito democrático pelo qual os manifestantes têm lutado desde Janeiro de 2011 ainda não foi conseguido, mas certamente muito mudou. E o passo para se alcançar um objetivo é exatamente lutar pelo mesmo. Uma luta, mesmo que árdua, passível de ser assistida por parte de muitos cidadãos egípcios. Os meses passam, as estações mudam… a Primavera Árabe ainda tem muito pela frente.

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Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre o Oriente Médio?

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com

Ventos da Paz – Ato pela paz entre Israel e Palestina

Os recentes acontecimentos em Israel e na Faixa de Gaza chamaram a atenção de todos. Diversas manifestações pelo mundo utilizaram discursos que se diziam “a favor da paz”, mas que, de fato, exigiam apenas o fim dos ataques vindos “do outro lado”. Não vimos, em momento algum, o reconhecimento da dor do outro, nem a legitimação de suas lutas por segurança, soberania, autodeterminação e liberdade.

Nadando contra a corrente, um grupo de brasileiros preocupados com a paz entre israelenses e palestinos se reuniu a fim de promover o encontro “VENTOS DE PAZ”, onde as duas bandeiras, que parecem nunca se encontrar, poderão ser vistas lado a lado.

Ancorados nos direitos humanos, somos contra a ocupação, legitimamos o direito de existência do Estado de Israel, e refutamos os ataques a qualquer uma das populações civis. Nos colocamos a favor do diálogo entre os povos e estamos interessados em dar voz às iniciativas que se utilizam da não violência ao pensar e propor soluções para o conflito, acreditando na possibilidade de coexistência pacífica entre dois Estados independentes.

Sendo assim, convidamos a todos a um grande evento na Praça da Paz – Parque do Ibirapuera no domingo, dia 02/12/2012 às 11:00.

Em clima fraterno, faremos leituras de poesias palestinas e hebraicas, e construiremos pipas e cataventos com as cores das duas bandeiras. Assim, iremos colorir o céu e plantar na terra mensagens que manifestem os nossos desejos por uma paz justa e duradoura na região.

Confirme sua presença!

O que queremos com nosso ativismo?

Tempos de crise em Israel. Os recentes bombardeios na Faixa de Gaza e a intensificação do lançamento de foguetes contra o território israelense acordou ativistas de ambos os lados. Discursos maniqueístas repletos de acusações e certezas ocuparam as páginas do Facebook na forma de notícias, imagens e textos diversos. Na mesma semana, a Av. Paulista foi palco de 2 manifestações completamente opostas, mas que tinham um único ponto em comum: exigiam o fim dos ataques vindos “do outro lado”. 

Ao mesmo tempo em que se utilizaram discursos que se diziam “a favor da paz”, não vimos, em momento algum, o reconhecimento da dor do outro, nem a legitimação de suas lutas por segurança, soberania, autodeterminação e liberdade.

Dado o cenário, devemos nos fazer algumas perguntas: se somos, de fato, a favor da paz, por que somos incapazes de carregar bandeiras israelenses e palestinas lado a lado? Se somos, de fato, a favor da paz (e desejamos que os dois povos dialoguem e convivam em harmonia), por que nos colocamos de maneira agressiva frente a qualquer narrativa que seja diferente da nossa? Se somos, de fato, a favor da paz, por que não começamos dando o exemplo através de nossas próprias iniciativas?

Na semana passada, o cessar fogo foi anunciado. Como esperado, a maioria dos ativistas voltou a dormir. As notícias, os posts e as manifestações começaram a silenciar. Devemos, então, nos fazer uma última pergunta: se somos, de fato, a favor da paz, nos contentaremos com o cessar fogo ou buscaremos uma paz justa e duradoura para a região?

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Fórum 18 promove a 3ª edição do Seminário Israel – Palestina: Narrativas em Jogo, em Porto Alegre

No dia 2 de dezembro de 2012, domingo, ocorre em Porto Alegre a terceira edição do Seminário Israel – Palestina: Narrativas em Jogo, uma iniciativa promovida pelo grupo Fórum 18 que visa possibilitar a compreensão das diversas narrativas a respeito do conflito palestino-israelense.

O seminário acontece um dia após o término do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que será realizado entre 29/11 e 1/12 na capital gaúcha. O objetivo é aproveitar o fervilhão de idéias, pensamentos e dúvidas em torno do evento para que se construa um espaço de diálogo e entendimento mútuo.

O grupo Fórum 18 surgiu por iniciativa da B’nai B’rith e de jovens da comunidade judaica de diversos estados do Brasil interessados em aprofundar conhecimentos em questões relacionadas ao Estado de Israel e, em especial, o conflito com os palestinos.

Em São Paulo, já foram promovidos dois grandes seminários em 2011 e 2012, que contaram com a participação de palestrantes como Abdel Latif Hasan, Arlene Clemesha, George Niaradi, Guila Flint, Huda Al Bandar, Ilan Sztulman, Jaime Spitzcovsky, Marta Topel, Michel Gherman, Paulo Farah, Peter Demant, Salem Nasser, Sylvio Band, Vladimir Safatle e Walid Altamami.

A terceira edição do evento contará com palestras de Arlene Clemesha, Celso Garbarz, Guila Flint, Huda Al Imam, Jacques Wainberg, Jaime Spitzcovsky e Patrícia Tolmasquim abordando temas como as organizações de direitos humanos em Israel, criação do Estado Palestino e o papel das diásporas para o processo de paz. O seminário é gratuito e acontece na Hebraica Bom Fim (Rua Gen. João Telles, 508), das 9h30 às 16h30. Para participar, é necessário preencher a ficha de inscrição disponível aqui.

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3° SEMINÁRIO ISRAEL – PALESTINA: NARRATIVAS EM JOGO – PROGRAMA

9h – 9h30        Distribuição de material e boas vindas

9h30 – 11h      CRIAÇÃO DO ESTADO PALESTINO: CAMINHOS E OBSTÁCULOS
                            Arlene Clemesha e Jacques Wainberg
                            Mediação: Felipe Gerchman

Arlene Elizabeth Clemesha, PhD, é Professora de História e Cultura Árabe do Curso de Língua, Literatura e Cultura Árabe da USP (DLO, FFLCH-USP), e atual diretora do Centro de Estudos Árabes (CEAr-USP). Coordena o grupo de estudos História e Ideologia Contemporâneas no Oriente Médio, na mesma universidade. É autora e organizadora de vários livros, entre eles “Marxismo e Judaísmo. História de uma relação difícil”; “Edward Said: trabalho intelectual e crítica social”; “Palestina 48-08″. Traduziu o livro “Freud e os Não-Europeus”, entre outros escritos de Edward Said, e publicou inúmeros artigos relacionados à história contemporânea do Oriente Médio.

Jacques Wainberg possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1979) e em jornalismo pela Universidade da Flórida, em Gainesville, mestrado em Jornalismo pela University of South Carolina (1990) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1996). O Pós-Doutorado foi realizado na Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos. Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria e Ética do Jornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, turismo, história e teoria da comunicação,  relações internacionais e comunicação.

11h – 11h15        Coffee break 1

11h15 – 12-45    ORGANIZAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM ISRAEL: PANORAMA
                                Celso Garbarz e Guila Flint
                                Mediação: Gabriela Korman

Celso Garbarz é professor de História, especializado em Oriente Médio, com mestrado em História na Universidade de Jerusalém. Ex-diretor da Anistia Internacional, responsável pela América Latina e pela África. Faz parte da ONG israelense B´Tselem (The Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories), criada em 1989 por um grupo proeminente de acadêmicos, advogados, jornalistas e membros da Knesset.

Guila Flint, 56, nasceu em São Paulo e mora em Israel desde 1969. Jornalista, cobre o conflito para a imprensa brasileira desde 1995. Atualmente, é repórter da BBC Brasil. Já colaborou com O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Correio Brasiliense, Carta Capital, revista Visão (de Portugal) e outros. Foi correspondente da Globo News de 1997 a 2002. Publicou dois livros: Israel Terra em Transe – Democracia ou Teocracia?, em coautoria com Bila Sorj, e Miragem de Paz – Israel e Palestina, Processos e Retrocessos.

12-45 – 13h45         Almoço

13h45 – 14h45       JERUSALÉM SOB O OLHAR DE UMA PALESTINA
                                    Huda Al Imam
                                    Mediação: Ariel Sandes

Huda Al Imam é fundadora e diretora da Al Quds University, the Centre for Jerusalem Studies. Faz parte de diversas mesas diretoras de organizações como o Institute of Jerusalem Studies, Jerusalem Centre for Women, the Peoples’ Campaign for Peace & Democracy – HASHD, Al-Ma’mal Foundation for Contemporary Art, e The Palestine Consultancy Group (PCG).

14h45 – 15h         Coffee break 2

15h – 16h30      PAPEL DAS DIÁSPORAS PARA O PROCESSO DE PAZ: COMO PODEMOS CONTRIBUIR?
                                Jaime Spitzcovsky e Patrícia Tolmasquim
                               Mediação: Gabriel Baron Bastos

Jaime Spitzcovsky é jornalista e integra o Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP. Ocupa o cargo de diretor de relações institucionais da Confederação Israelita do Brasil. Foi correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou, entre 1990 e 1994, e em Pequim, entre 1994 e 1997. Fez coberturas jornalísticas em mais de 40 países, com destaque para região da extinta URSS, Extremo Oriente e Oriente Médio (Israel, territórios palestinos, Egito, Jordânia, Líbano, Iraque e Líbia). Foi comentarista internacional da Band News FM e colaborou com a BBC (Reino Unido), Haaretz (Israel), Diário de Notícias (Portugal), El Mercurio (Chile), TV Cultura, entre outros meios de comunicação.

Patrícia Tolmasquim é professora e militante dos direitos humanos. Em 2012, recebeu o Diploma Mulher-Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro, concedido pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

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As eleições americanas e o eleitorado judaico

Um boato comum na política americana afirma que eleitores judeus costumam apoiar candidatos que demonstram posições mais alinhadas ao governo israelense.

Com base nessa narrativa, nas últimas eleições, magnatas como Sheldon Adelson e grupos como o RJC (Coalizão Judaica Republicana) gastaram dezenas de milhões de dólares em campanhas para influenciar o eleitorado judaico a votar contra Barack Obama.

Há duas semanas, porém, judeus americanos quebraram esse mito mais uma vez: pesquisa feita pelo J Street mostrou que 70% dos judeus americanos votaram em Obama, porcentagem alinhada à tendência histórica de apoio a candidatos do Partido Democrata.

Segundo a pesquisa, 27% dos judeus da Flórida alegaram, inclusive, que a campanha anti-Obama os tornou mais propensos a votar nele do que o contrário, e 63% disseram que ela não fez diferença alguma.

Campanhas como esta, que tentam influenciar o voto judaico através de argumentos relacionados ao Estado de Israel não costumam funcionar, pois a grande maioria (90%) dos eleitores judeus prioriza questões internas como economia, saúde e segurança social na hora de decidir seu voto.

Além disso, quando o assunto é Israel, judeus americanos apresentam posições moderadas: 73% apoiam o tratamento que Obama dá ao conflito Israel-Palestina, e 82% defendem uma solução de dois Estados.

Essas informações são muito relevantes quando se leva em consideração a importância dos EUA numa possível resolução do conflito Israel-Palestina – 81% dos judeus americanos apoiam uma participação ativa dos EUA na mesma. Para que isto aconteça, porém, políticos americanos precisam deixar de lado os boatos acerca do voto judaico e empregar suas forças na construção de uma resolução pacífica e diplomática.

 

 

 

Guerra pela Paz?

“TODA GUERRA É GANHA PELOS GENERAIS E PERDIDA PELOS SOLDADOS”.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.

THE BEREAVED FAMIELIES FORUM PROTESTׂ: famílias israelenses e palestinas que perderam entes queridos e resolveram se juntar e gritar pela paz!

Nesta semana, infelizmente, o Oriente Médio se encontra na situação que a mídia mais gosta: em guerra. Explosões, tiros e mortes. Os jornais vendem, as pessoas tomam partidos, apontam culpados, políticos ganham intenções de votos por terem sua política altamente voltada para a segurança externa. Lá isso é necessário. Afinal, uma região movida à pólvora precisa que seus governantes sejam fortes o suficientes para defender seus respectivos cidadãos. Correto. Se a história toda realmente precisasse ser assim.

A Primeira Guerra Mundial aconteceu como consequência do neo imperialismo, corrida armamentista, revanchismo, dentre outras causas que nós aprendemos na escola. Responsáveis: Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Rússia, Império Austro-Húngaro, Império Turco-Otomano, Estados Unidos. Ou melhor, seus líderes, claro. Resultado: mais de 19 milhões de mortos, cerca destes 5% eram civis. O que é uma outra questão importante. Seriam todos os soldados seres extra humanos, não civis nas horas de folga, homens e mulheres que não possuem vidas normais, aqueles que, como nós em nossos empregos, cumprem ordens nem sempre lá muito claras? Esse 5% pode ser importante para um certo número de pesquisas, mas deixo ressaltado os 19 milhões como um todo.

Bom, Israel e Palestina, nossos atores principais favoritos da odisséia “Oriente Médio, palco de guerras”. Resumo da ópera. Desde quarta feira cerca de 300 mísseis foram atirados de Gaza em direção a Israel. Começaram atingindo cidades do sul e estão chegando ao centro do país, bem próximo a Tel Aviv (algo que não ocorria há 20 anos). Responsável: Hamas. Israel precisa se defender. As FDI (Forças de Defesa de Israel) revidaram com cerca de 250 mísseis em direção a Faixa de Gaza. Atingiram, com elas, algumas células terroristas preparadas para lançar ainda mais mísseis. Responsável: Likud (Benjamin Netanyahu). O Hamas é o partido governante oficial de Gaza, oposto ao governo palestino da Cisjordânia contra qualquer intenção de conversação com Israel. O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é do partido Likud e está em seu segundo mandato desde 2009. Mas tudo isso você pode ler nos jornais (eu indicaria os locais, que como todo bom meio de comunicação já é partidário, mas não tão sensacionalista como os que temos no Brasil).

Em outras palavras: o Hamas se recusa a conversar com Israel, quebra o cessar fogo constantemente nos últimos meses através de mísseis, que após algum tempo de tolerância são revidados pelas FDI. E aí fica nessa. Morrem civis, morrem militantes, morrem soldados. Morrem pessoas. Nesta situação atual, até o momento, foram 15 palestinos e 3 israelenses. Israel possui alarmes, bunkers e política de proteção e artefatos anti-mísseis. O por que da mídia internacional condenar a alta proteção é uma indagação. Na Faixa de Gaza, nada, nenhuma proteção. As aulas escolares costumam continuar em dias como este, então as pessoas ao redor do mundo culpam Israel pela morte de crianças, mulheres e idosos. Pois é. Crianças israelenses não morrem, mas elas crescem sabendo que o alistamento no exército não é obrigatório. É necessário. Não é porque elas não morrem que ficar em bunkers escutando explosões torna-se algo passível de terror e perigo. É assim que eu vejo a situação, sim. De forma simples, estou criticando a falta de crítica ao redor do mundo em relação ao Hamas.

Mas, a indagação fica. Quem eram estes 15 palestinos? E quem eram estes três israelenses? Não quero saber seus empregos, se eram soldados ou comerciantes. Gostaria de saber se eram maridos, filhos, pais, amigos. Quais os seus nomes. A quem deixaram saudades. Quem são os milhares amedrontados dos dois lados da fronteira?

A visão realista do mundo é a mais clara pela minha janela. Mas por convicção, sou pacifista! Acredito no direito de defesa mas ninguém vai me convencer que todo palestino é terrorista e que todo israelense é imperialista, caçador de árabe. Ah, pelo amor de D’us. Que, aliás, deveria ser mantido fora desta história. Pessoas são pessoas, como eu e você. E a maioria delas não quer conflito, não quer morrer com uma bala perdida, uma bomba no ônibus ou um míssil aterrissado em sua casa. Faço um apelo para que parem de achar um mocinho e um bandido. Se existisse, um dos dois já teria ganhado essa rixa. Quando aceitarmos que existem versões, verdades e narrativas diferentes, será possível conversar. Ou, no nosso caso aqui distante, colaborar em prol de um bem maior.

Palestinos (e partidários): israelenses são pessoas como vocês, que moram em Israel, nem sempre apóiam o governo e têm medo de morrer em guerra. Israelenses (e partidários): nem todo palestino é terrorista, muitos temem e são contrários ao governo do Hamas.

Continuem escrevendo nos seus facebooks e twitters posts sobre este conflito. Mas enfatizem o principal: que ele não deveria estar acontecendo, que nenhum de vocês quer isto para ninguém. Curtam as páginas dos movimentos Israel-Loves-Palestine, Palestine-Loves-Israel, Israel-Loves-Iran, Iran-Loves-Israel e vejam com seus próprios olhos como “eles” querem a mesma coisa que “vocês”. Viver em paz.

Indico a leitura do depoimento de Michel Gherman, doutorando em História Social pela UFRJ que está em Israel: “O Conflito Palestino-Israelense tem muito mais do que dois lados”.
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Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre o Oriente Médio?

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com

Michel Gherman: “O conflito Palestino – Israelense tem muito mais do que dois lados”

por Michel Gherman

Esta é minha primeira semana neste retorno a Jerusalém e (finalmente) posso ter uma certeza. E com esta certeza aqui vai também um recado aos preguiçosos, simplificadores e patrulhadores de plantão: o conflito Palestino – Israelense tem muito mais do que dois lados e muito mais cores do que se imagina!

E as fichas vão caindo. Ligo pra Mariam, amiga minha palestina do leste de Jerusalém. Mulher radical, anti-sionista. Minha preocupação é saber como ela está – ela esteve trabalhando em um projeto em Gaza e tem família lá. Ela disse que, por enquanto, estava tudo bem, que estava preocupada, e passou a vociferar contra o Hamas. Mariam é feminista e sabe bem no pé de quem o calo aperta em Gaza do governo do Hamas. Ela diz: “Agora sim o Hamas e seus aliados estão enturmados e fazem bem o que esperam deles”. Do que você está falando Mariam? “Os reacionários do Qatar e a direita fascista de Israel começaram a dialogar. Conversam pelos foguetes”.

Na televisão, vejo Ephraim Sne, ex-ministro do Partido Trabalhista, comentar: “Alguém tem alguma dúvida de que o Hamas e o Governo Bibi/Liberman são aliados? De um lado, Abu Mazen tenta dialogar e exige o reconhecimento da Palestina; de outro, o Hamas tenta deslegitimar o governo Palestino da Cisjordânia e não tem nenhuma movimentação política em nível internacional. O governo Bibi/Liberman quer acabar com qualquer possibilidade de diálogo. Abu Mazen está enfraquecido em um mar de novos governos da Irmandade Muçulmana. O que falta para a vitória do núcleo Hamas – Bibi/Liberman? Uma Guerra. De preferência, com vítimas civis dos dois lados”. Ao lado de Sne, uma deputada do Likud cujo nome não lembro (e que diferença faz?) tem olhos fixos na tela dizendo: “Exército deve entrar neles, é o momento de mostrar para eles…”. Ok.

Eleições em Israel, fenômeno interessante: pela primeira vez, há mais jornalistas concorrendo do que generais, o que causa um sentimento de insegurança nas forças que estão no poder. Além disso, as pesquisas apontam para um fortalecimento do bloco de centro-esquerda, que circula hoje em torno de uma agenda social e não de política internacional. Opa! Uma Guerra faz voltar tudo ao mapa da simplificação, então… Por que não?

Liberman e Bibi, de olho nas eleições, concordam, e o Hamas, de olho em Abu Mazen, apoia. Inicia-se o diálogo fundamentalista-direitista. Formam-se torcidas, surgem vítimas… “Ufa que alívio, tudo volta para um cenário mais previsível e confortável”.

Quinta –feira, dia de sol, quente e agradável. Ligo pra minha irmã, que mora em Gan Yavne, não distante de Gaza e com quem tinha falado ontem à noite, logo após o exército israelense ter matado Ahmed Jaber, líder do Izzadim Al Kassam, grupo militar do Hamas. Do outro lado da linha, ela estava assustada com as sirenes e avisos de ataque – mais de 20 em um dia. Hoje, ela está mais tranquila. Saiu de Gan Yavne, em direção a Jerusalém. Diz que a noite foi mais calma, que o problema foi a manhã, com mais de 10 sirenes, suas duas crianças de 3 e 1 ano chorando e interrupções constantes na arrumação das malas para entrar em abrigos. Há dúvidas de que se tratam de vítimas civis?

Se ainda há dúvidas (e pra contribuir com a percepção de complexidade que este conflito tem), conto minhas experiências nas ruas de Jerusalém pela manhã.

Saio para pagar uma conta, volto de ônibus. Na minha frente, uma menina morena de 18 anos com uniforme do exército e cara de colegial. Está claro que exerce alguma função meramente burocrática no exército, impressão que se confirma na conversa seguinte: “Mãe, ainda tem bombas em Kriat Malachi? Teve sirene hoje? Bom, vou te falar uma coisa: Haim morreu; e Milena tá ferida. É, me avisaram agora. Calma… toma a água e me liga”.

Não tenho certeza se eram esses os nomes, mas o importante nesta cena é o que se entende com a origem das vítimas: Kriat Malachi é a periferia da periferia social de Israel. Judeus de origem norte africana, imigrantes etíopes e russos habitam uma das cidades com piores índices sociais do país, de onde é raro saírem comandantes e executivos. Kriat Malachi é uma cidade de soldados, operários e desempregados, apesar de eventualmente surgirem políticos canalhas. A menina que fala ao telefone tem a voz firme, apesar de mãos trémulas. Ao desligar, chora em silêncio. Há alguma dúvida de que se trata, apesar do uniforme, de vítimas civis?

Para terminar as experiências da manhã, observo, em minha chegada à universidade, uma manifestação. De uma lado, estudantes com bandeiras palestinas; de outro, estudantes com bandeiras de israel. O “lado israelense” grita pela libertação de Gaza, se referindo ao fim do governos Hamas. O “lado palestino” berra contra o Estado Terrorista. A manifestação, apesar de barulhenta, não cria comoção: a maioria dos estudantes, árabes e judeus, passa e decide não se manifestar, em nenhum dos “dois lados”…

Hoje, não conversei com nenhum habitante de Gaza; não conheço ninguém que viva em Gaza hoje. Tenho que dizer que a característica das futuras vítimas civis de Gaza e de Israel (e não tenho dúvida que serão em número desproporcional, o que não afeta a análise) é essencialmente a mesma. São vítimas por opção… opção de seus respectivos governos.

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Michel Gherman possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Mestre em Antropologia e Sociologia pela Hebrew University of Jerusalem. Atualmente, cursa doutorado no Programa de História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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