No dia 5 de dezembro, faleceu, aos 95 anos de idade, o líder sul africano Nelson Mandela. Maior símbolo de combate ao apartheid, Mandela, se tornou um grande ídolo, amado por toda a África do Sul, inclusive pela comunidade judaica local.
Alguns judeus desempenharam um papel significativo na vida de Mandela e na luta contra o regime de segregação racial que vigorou no país de 1948 a 1994. O primeiro deles foi o advogado Lazar Sidelsky, que, em 1942, contratou o jovem Mandela como assistente jurídico. Em sua autobiografia, “Longa Caminhada para a Liberdade“, Mandela fez o seguinte relato sobre o escritório de Lazar Sidelsky:
Era uma firma judaica, e na minha experiência eu descobri que judeus têm mentes mais abertas do que a maioria dos brancos nos temas de raça e de política, talvez devido ao fato de eles próprios terem sido historicamente vítimas de preconceito.
Durante os anos em que a África do Sul esteve sob o regime de apartheid, muitos judeus assumiram papéis de liderança no Partido Comunista (PC) e figuraram entre os poucos sul africanos brancos que tratavam seus companheiros negros com dignidade e igualdade. Como consequência, muitos pagaram um alto preço, com o ostracismo social, prisão e exílio. Dentre eles estava Albie Sachs, que, em 1994, foi nomeado por Mandela juiz do Tribunal Constitucional da África do Sul; Joe Slovo, que posteriormente tornou-se ministro da habitação no gabinete do presidente Mandela; e Gill Marcus, que se tornou vice-ministra das Finanças no gabinete de Mandela, e fez história em novembro de 2009 ao se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidenta do Banco Central da África do Sul (South African Reserve Bank).
No famoso Julgamento por Traição, que se iniciou em 1956 e terminou apenas em 1961, com todos os acusados inocentados, um número expressivo de judeus ativos na luta contra o racismo estiveram presentes como réus e como advogados de defesa. Anos mais tarde, em 1964, no Julgamento de Rivonia, em que dez líderes do Congresso Nacional Africano (CNA) foram julgados por sua oposição ao regime – entre eles, Nelson Mandela, que recebeu a pena de prisão perpétua – um fato curioso: todos os cinco réus brancos daquele Tribunal eram judeus.
Outra personalidade de destaque com quem Mandela cultivou amizade foi Helen Suzman. Ativista na luta contra o apartheid, durante 13 anos (de 1961 a 1974) protagonizou um papel importante no Parlamento: a de ser a única deputada a se opor abertamente às práticas racistas na África do Sul. Ela visitou Mandela inúmeras vezes na prisão e esteve ao lado dele em 1996, ao assinar a nova Constituição.
A lista de judeus que atuaram próximos a Mandela e companheiros em sua luta é extensa. Embora não seja possível mencionar todos neste artigo, não podemos deixar de citar o Rabino Cyril Harris, Rabino-Chefe da África do Sul durante o período de 1987 a 2004, que desenvolveu um trabalho social relevante para a comunidade negra, criticou diretamente o sistema de segregação racial e buscou o diálogo com líderes do Partido Nacional com o objetivo de flexibilizar o regime de apartheid.
Mandela e o Rabino Harris desenvolveram uma amizade afetuosa. Na posse de Mandela como presidente, em maio de 1994, o Rabino Harris fez um discurso comovente. Frequentemente, Mandela se referia a ele como “meu rabino”. Em 1998, Mandela o convidou para dar uma bênção em hebraico no seu casamento com a moçambicana Graça Machel. O casamento estava marcado para 18 de julho, dia do octogésimo aniversário de Mandela, mas como era Shabat, o Rabino Harris explicou a Mandela que não poderia participar da cerimônia. Mandela fazia questão da benção do Rabino e, como solução, o Rabino Harris abençoou o novo casal na sexta-feira, antes do início do dia sabático. O Rabino Harris faleceu em 2005. No dia de seu enterro, em Jerusalém, o Embaixador sul africano esteve presente e discursou calorosamente sobre o “nosso rabino”.
A relação de Mandela com o Estado de Israel e a comunidade judaica também teve seus momentos difíceis. Durante a época do apartheid, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) havia construído uma relação estreita com o Congresso Nacional Africano (CNA), sendo que, durante alguns anos, ajudou a capacitar os membros de sua ala militar. A proximidade entre Mandela, Yasser Arafat e a OLP, que na época se recusava a reconhecer o direito de existência de Israel, rendeu críticas ao líder sul africano por parte da comunidade judaica local. Entretanto, Mandela simpatizava com Israel e com as aspirações do povo judeu de viver em paz com seus vizinhos árabes.
Mandela visitou Israel e a Cisjordânia pela primeira vez somente em outubro de 1999, época em que já não era presidente. Líderes da comunidade judaica sul africana o acompanharam e, ao reencontrar o Rabino Harris na Terra Santa, Mandela afirmou: “Agora me sinto em casa – meu rabino está aqui.”
Como presidente da nova África do Sul, Nelson Mandela realizou um ótimo trabalho. De forma notável, manteve o país unido em um momento tenso, que poderia ter culminado em uma guerra civil envolvendo diversas facções. Em grande medida, isso se deve à sua generosidade, carisma extraordinário e habilidade política para lidar com os diversos grupos que compunham a sociedade sul africana. Por esse legado, Mandela será um líder eternamente lembrado.