Ontem, cerca de 100 pessoas – é o que eu, que não sou nem de longe boa em contas, estimo – fecharam uma das ruas mais movimentadas de Tel Aviv chamando atenção para o campo de refugiados Holot, onde as pessoas seguem sem aquecimento nesse inverno cujas temperaturas giram em torno dos 0°C. Entre os cartazes, o mais incisivo dizia “Judeus não constroem guetos”. O evento, divulgado pelo Facebook, tinha por título “Zero grau em Holot – Mães contra Holot: exigimos o fechamento de Holot”
O tema dos refugiados é totalmente novo para mim. Não sei muito a respeito de Holot, nem da lei de prevenção, por isso achei que seria interessante ir ao protesto – vale lembrar, totalmente organizado por cidadãos israelenses. Pretendo escrever mais sobre o que ocorreu em Tel Aviv em breve e acrescentar algumas fotos. Por enquanto, traduzi o folheto que estava sendo entregue durante a manifestação.
Mães contra Holot: verba para as vizinhanças, não para Holot.
Mais de 2.300 requerentes de asilo do Sudão e da Eritreia estão detidos na prisão “aberta” Holot sem julgamento. Lá eles sofrem com a falta de aquecimento e de alimentação adequada, com a falta de prestação de serviços de saúde e com os contínuos abusos emocionais.
Nós marchamos para expressar empatia e apoio, e para demonstrar nosso profundo choque com a forma pela qual eles são tratados. Nós estamos aqui para exigir reconhecimento, direitos e respeito aos refugiados e exigir o fim da “lei da infiltração” – e soluções verdadeiras para os refugiados do sul de Tel Aviv.
Quem são essas pessoas de fato? E por que estão aqui?
Em Israel há cerca de 47.000 requerentes de asilo, a maior parte vindos da Eritreia (66%) e de diferentes regiões do Sudão (25%). A Eritreia é uma ditadura conhecida como “a Coreia do Norte da África”. Não há liberdades nem direitos básicos. Quem tenta se opor ao regime, ou exigir democracia, é detido, torturado e morto.
Requerentes de asilo do Sudão chegaram principalmente de Darfur, de Cordofão do Sul e da região do Nilo Azul. Trata-se de minorias étnicas perseguidas pelo governo que passaram por genocídio e por perseguições cruéis. Muitos dos requerentes de asilo atravessam o Sinai, onde estão vulneráveis a sequestros, torturas, tráfico de órgãos e outros horrores.
Mas um momento! Eles definitivamente não são refugiados. São infiltrados, não?
O único modo de saber de fato se alguém é refugiado é analisando o pedido de asilo de forma detalhada e transparente, como ocorre em todos os países decentes no mundo. Israel se nega a analisar os pedidos. Não existe isso de “infiltrados”. Isso é criação do governo israelense, que tem a intenção de deslegitimar os requerentes de asilo.
Então qual é a nova emenda da lei para a prevenção de infiltração?
De acordo com a emenda anterior, o governo israelense começou a enviar os requerentes de asilo que vivem em Israel para a prisão “aberta” Holot, sem um processo justo. Em 22/09/2014 o Tribunal Superior de Justiça determinou que a detenção coletiva unicamente com o objetivo de conter a imigração e encorajar a saída “espontânea” dos imigrantes do país não é constitucional.
Em resposta, o governo emendou a lei para que os requerentes de asilo sejam detidos por “apenas” 20 meses. Com lugar para cerca de 3000 pessoas, a instalação está localizada no deserto e é dirigida pelo Sistema Penitenciário de Israel (Shabas). Os “hóspedes” são proibidos de sair durante a noite e de trabalhar. Além disso, não são providas a eles as necessidades básicas, como aquecimento, nutrição e serviços de saúde adequados. É uma prisão. Pura e simplesmente. Essa detenção é contrária à lei israelense e à lei internacional e viola os direitos e a dignidade humana. As emendas à lei de prevenção à infiltração são uma vergonha para todas nós. A emenda constitucional deve cair.
Mas nós não podemos ajudar todas essas pessoas…
Refugiados não são um fenômeno recente. Alguém como nós sabe disso. Muitos países no mundo, inclusive países muito mais pobres que Israel, recebem pessoas fugindo de guerras e de perseguição. Israel não é especial nem diferente. As verbas investidas nas detenções de refugiados podem e devem ser investidas em coisas diferentes.
E quanto aos problemas no sul de Tel Aviv?
Os problemas no sul de Tel Aviv são reais e devem ser resolvidos de antemão. Mas são resultado de políticas vigentes de negligência. O governo é culpado pela alta concentração de requerentes de asilo nessas regiões – ele que as colocou ali e não forneceu recursos e infraestrutura para a região. A solução para os problemas no sul de Tel Aviv é o investimento em infraestrutura e serviços e não em detenção de centenas de indivíduos, uma vez que isso não muda a situação atual do sul da cidade.
O que precisa acontecer?
É preciso acabar com o pânico e com as mentiras. Requerentes de asilo não são ameaça ou perigo. É preciso analisar os pedidos de asilo e aumentar o reconhecimento dos que chegam. Até então, é preciso permitir que as pessoas vivam com dignidade e acabar com as perseguições. É preciso fornecer a eles licença para trabalhar e possibilitar que eles se integrem às áreas que demandam mão de obra ao redor do país em vez de importar novos trabalhadores. É preciso acabar com a lei de prevenção à infiltração. As verbas destinadas à construção e à manutenção de instalações de detenção devem ser direcionadas ao desenvolvimento das vizinhanças do sul da cidade.
Mais detalhes (em hebraico) em: holotvoices.co.il / fb.com/refugeesmarch
Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.
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